Depois de sorrir ao espelho para mim própria, inocentemente mergulho neste piano. Está a cantar-me a alma. Não estou triste mas deixo cair uma lágrima, maravilhada com a melancolia da vida e por ter os músculos finalmente descontraídos.
É tão bom
o mundo não parou mas já não há barulho. Somente existo eu, e este piano
arrepio-me tanto que quase tremo.
Solto o cabelo que me cai pelas costas e tiro a maior parte da roupa.
Calmamente, danço ao som deste gemido, tão frágil. Balanço os braços e movo o corpo pelo quarto, tal louca feliz por nada ter sentido. Embalo o ar, e deixo-me ser, sem ter de pensar.
Sorrio e estou a chorar. Sorrio por chorar
porque sinto mágoa e estou alegre. Choro por sorrir enquanto me afundo em notas desenhadas no ar, de formas sublimes e frias.
Choro por tudo. Choro porque já chorei, porque já ri, porque dancei, porque por vezes permaneço imóvel durante horas, porque sou de gelo ou ardo, porque sou frágil e forte. Choro porque sinto saudade, porque cresci
porque a confusão reina
choro por mim, sem pena. Um sentimento estranho de existência. Estou aqui, penso. E não entendo nada, mas não faz mal.
Sorrio por tudo o que chorei, por tudo o que ri. Por tudo o que senti
paixão, ódio, dor, alegria
tão comum
sorrio por ter conseguido não sentir absolutamente nada em certos momentos de vácuo. Sorrio porque me apetece.
Sinto-me calma, livre, plena, do tamanho do mundo. Podia correr para sempre se esta melodia fosse cantada lá fora pelo vento, e tudo o que era bonito podia também ser feio, ou bonito
ou o que é feio podia ser belo, ou mesmo feio
não importa. Não importa mesmo. E não faz mal. Encantada. Vou correr e dançar neste quarto que é o meu mundo, até não poder mais, e ter de parar. E depois, vou aqui continuar a dançar e a sorrir enquanto choro, porque estou feliz de nada fazer sentido e eu não me importar.
Porque eu estou a sorrir e a chorar
e estou a delirar com a sensação.
O coração não pára de saltitar, como se também ele sorrisse e chorasse
(Imagem de André Brito)
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