Uma vasta e densa forma de ataraxia.
Sobrevalorização de ideias redundantes que nada significam. Implicações de vida simples e trépidas como o ar. Respiração. Fôlego. Brisa. Doce. Amargo. Eu. Existo. Ou talvez não.
Existir voando sobre o corpo, planando tudo aquilo que resta de mim. Quero limar as arestas daquilo que sou e não me é permitido. O extenuante prazer das formas. O lânguido sabor a mel. Tudo isto não é mais que viver.
Um desenho sobre uns livros representa aquilo que sou
ou outrora fui
interrogo-me agora se não serei demasiado pequena para mim própria e a morte não será a minha liberdade.
A ataraxia volta a inundar-me. Fechar os olhos e rezar preces que não sei de cor e nunca ouvi completamente. Deuses fictícios, imagens fantasiásticas, filmes, pornografia, melancolia, maçãs, dedos, tecnologia, e um lápis em repouso. Reconhecer aquilo que sou perante os outros. Assumir a minha força e desvendar mistérios de alguém. Porque não os meus? Um corpo de mulher. Homossexualidade. Orgias. Amor. Paz. Serenidade. Escuridão. Negrume. Luto.
Arte e artista, sinónimos de tristeza, apatia? Talvez sim de incompreensão e dor. Notas soltas voando na plenitude do sofrimento. Poemas escritos ao sabor da água, da espuma, das marés, influenciados por passados, desejos, e um país repleto de poetas, doentes e vigaristas.
Os objectos mantêm-se quietos, imóveis. Agora vejo como são assustadores. Não estão mortos mas não têm vida. Fotografias de momentos representantes de ânsias, de uma sofreguidão abundante em pequenos corpos, firmes, suaves, completamente borrados, enfim, jovens, mas com manchas de velhos. Tecidos soltos, meias, ligas, batons, vernizes. Sombras de alguém? Afirmações.
Afirmações feitas, ditas pela milésima vez, construídas para serem utilizadas em circunstâncias específicas, massacradas pela repetição de actos. Não quero cair na rotina. Não quero apenas ser. Quero viver. Quero respirar e sentir que estou viva, e em mim. Quero a liberdade, mas não a solidão. Essa só a desejo quando lhe sinto o cheiro, quando a ambiciono.
Retomar as palavras e ter alguém, ou muitos alguém que me compreendam e vivam este sentimento comigo.
Enfim
partilhar vidas
não fugir do inevitável. Não fugir de quem somos
Importa a sensualidade. Uma fina beleza escondida no rosto de uma mulher, não desconhecida, mas que não se conhece. Transportar o glamour, a classe, todo um charme num doce pestanejar, num mexer de pernas, num andar, num rodar de braços, num mexer de lábios, num profanar de palavras que ganham corpo e vida própria. Nos seios firmes e redondos. Na pele macia, nos longos esbeltos dedos, numa curva simples e louca como a anca dela. Numa cintura tremendo de desejo por umas mãos que encaixem.
Escolher a majestosa vida, escolher a majestosa morte. Tê-la nas mãos e decidi-la, não a deixando escolher qual e como. O poder de ser, passa agora ao poder de ter, sentir.
Beber um copo de vinho, tê-lo a escorrer pelos lábios, pelo peito, e cheirar a aproximação do desejar.
Penso que não é tão complicado assim.
(Imagem de Nanã Sousa Dias)