Estico os dedos. Preparo sem frenesim o que se aproxima.
Faço-me de contorcionista e desdobro a minha vida, cravada num papel amarrotado enfiado com desprezo no fundo de uma gaveta.
Cheira a pó.
Descubro algumas das peles que já usei atrás de um armário de sensações
sem as ter de vestir ainda as sei usar. Quase me assusto com a velocidade a que as memórias me acorrem, parecem pedaços de fotografias todos misturados, que organizo calmamente, onde estou sempre eu. E disso não posso fugir: o passado escorre-nos nas veias
não se pode simplesmente cortar os pulsos e esperar que se apague, porque esquecemos
também não se pode fingir que não aconteceu, porque não passava de mais uma pele, que mais cedo ou mais tarde iria ser despida, tornar a ser vestida e por aí adiante.
Conformo-me com esta pessoa que criei porque não estou com paciência para lutas e promessas de mudanças que nunca se cumprem. Talvez mais tarde
não interessa.
Não tenho nada para contar
estou apenas sossegada a sentir.
Inundo-me em imagens, pequenas réplicas ousadas do pouco tempo que sobrou.
Volto a cima para respirar e apercebo-me do dia, das horas. Não sei se estará a celebração a reinar ou apenas te encolhes nos lençóis
sozinho
amargurado com a vida e a idade que te persegue. O desdém de ontem fez-me um peso no estômago
Voltaste. Parece que nem os lençóis te esperaram nem a celebração
vens, não sei se por rotina se por vontade de conversar
mas vens.
Sabias que semeaste em mim um romantismo que desconhecia? Fria para com os sentimentos nestas coisas das relações, descobri que o amor pode ser doce sem ser foleiro
com que mágoa eu o sinto agora.
Bato com os pés no chão conforme os minutos passam, tal e qual uma criança numa birra estridente. Fantasio e quero-te. Não entendes?? Detesto que me faças esperar
(entretanto uma vozinha grita de alegria quando a barreira se quebra e tudo se alivia por afinal estares aqui
).
E é assim que detesto tudo isto
é assim que detesto sentir. Que odeio as esperas e os reconfortos que por vezes trazem.
É assim que me vem a loucura de não sentir nada para além do latejar do corpo dela e do meu. Umas pernas suaves, enroladas à minha cintura marcada, já habituada ao contorno do seu corpo...vibro com a sua língua a percorrer-me do interior das coxas ao pescoço.
Mulheres, sem serem precisos mais enfeites ou acessórios. Ornamentadas apenas com o aroma mais natural
o do desejo. Sem pressas desnecessárias, porque temos todo o tempo que quisermos para descobrir mais uma vez os prazeres que conhecemos tão bem
Encontrámos a proporção certa uma na outra. Vimos isso mal nos olhámos a primeira vez. Uma forma de paixão que não precisa de demasiado tempo
apenas o necessário para saber que se mantém acesa.
Neste momento, quero-te em câmara ardente mais do que nunca. Apetece-me o teu calor como no primeiro dia. Os teus lábios loucos, molhados nos meus e pelo meu corpo
como se conseguisses exorcizar toda a tristeza de dentro do meu peito por alguns momentos. Perco-me nos teus olhos que carregam a maquilhagem perfeita, e na tua pele prestes a ser marcada pelas minhas unhas.
Deve ser por isto que é tão bom estar contigo
somos duas mesmo quando somos uma só
(Imagem de www.dita.net)