A rotina de ser todos os dias é exaustiva. Já quase me caem gotas de suor pela testa abaixo e estou sem me mover há horas provavelmente uma vontade inconsciente de testar a minha capacidade de silêncio ou apenas parvoíce.
Não não estou a falar de tristeza, nem muito menos estou triste. Será que deriva daí o espanto? A sinceridade obriga-me a dizer que não sei e é isso que me intriga.
Pouco me apetece pensar, estar, rir, chorar, ouvir, sentir
hoje simplesmente não me apetece nada. Tanto faz se estou sozinha ou acompanhada
estou calada, e se vierem ter comigo não esperem resposta à pergunta sobre o que estou a pensar. Porque não estou.
Hoje abandonei-me.
Abandonei a libido, a arte, a paixão, o cansaço, a vontade, a coragem, as lágrimas e as gargalhadas.
Sinto-me mal sem me sentir.
Com os olhos abertos ou fechados, inerte por uma quantidade incrível de horas, há imagens que me invadem, estranhas. Esta estúpida inércia, não me permite agora tirar qualquer sentimento acerca nem através delas talvez mais tarde ? Logo se vê
São mulheres de peito rasgado, com asas enormes nas costas e dedos articulados. Têm lábios de madeira pintada a carmim, os olhos ofuscantes, maçãs do rosto salientes mas pálidas. Mastigam o ar a cada passada, lenta, morna. Usam vestidos rasgados e percebo-lhes um sexo nu, húmido e sabido.
Afastam-se e voltam afastam-se e voltam parece-me uma dança ou ritual.
Só me incomoda não pararem de olhar para mim, mas não me apoquenta. Estou tão pouco interessada nelas que as olho de soslaio e até parece que elas percebem isso (espero continuar a ter consciência que isto é tudo imaginação minha ).
Foram embora as minhas deusas de lábios de madeira e carmim.
Lembrei-me agora dos loucos que todos os dias vagueiam à minha porta tenho medo que se aproximem de mim não suporto ser tocada por desconhecidos. Mas observá-los, gosto.
Também gosto de observar as pessoas atarefadas em correrias desmedidas para apanharem o metro, ou a perderem a paciência numa fila de trânsito. Correm tanto que não vêem o que lhes corre ao lado toneladas de vidas e histórias todas semelhantes que me encantam ao longe numa janela de quarto andar.
Talvez seja melhor mover-me enquanto te espero. Apercebi-me agora que isto também é uma espera e confesso que fiquei enjoada.
É preferível ficar quieta, quase sem respirar.
Que venham de novo as deusas com lábios carmim. Que me ofusquem com o olhar e me rasguem o peito para também eu poder mastigar o ar a cada passada lenta, morna, com o sexo nu, húmido, sabido, e os lábios de madeira pintados de púrpura.
(Imagem de Nuno Belo)
Há coisas que não se podem dizer.
Assim nos submetemos aos abutres, sempre famintos e atentos a qualquer deslize. Criamos desde cedo pés inseguros, fazemos caminhadas incertas, falamos com uma língua usada, quase morta, julgamos que temos asas e quase que voamos.
Não. Até quando aguentarás este sufoco?
Vais esperar tanto tempo
o tempo das rugas te caírem pelo rosto, anunciando a sabedoria necessária para se dizer o que os outros julgam como parvoíces.
Parece-me que são essas parvoíces mesmo que queres dizer
(sinto-me muda) essas loucuras que se dizem e se sentem com a alma quando se esconde a vergonha e o medo.
Sim. Porque quase sempre temos um certo pudor em dizer o que sentimos
(já não aguento mais isto).
Até já lhe trocaste o nome. A sorte esteve do teu lado, e teceu tudo de maneira a ele nem se aperceber.
Ahhh
como me apetecia rir ás gargalhadas de tudo isto. Soltar gritos estridentes e dançar até cair redonda no chão. Movimentar-me com tanto sentido quanto tem a minha vida.
Que dança frenética seria
recheada de movimentos obtusos, impertinentes, inseguros, quedas geladas e um ardor constante.
Não interessa.
Vou fechar aqui os olhos. Imaginar as coisas que gostaria de ter dito, a coragem que gostaria de ter tido, e a calma que sempre procurei e nunca consegui encontrar.
O cansaço arrebate tudo cá dentro
e por agora, apetece parar.
Só espero encontrar-te novamente pelo caminho.
Afastei-me durante algum tempo. Todas as palavras me pareciam demasiado intensas e não me apetecia ter-me nem mais um segundo. Afoguei-me em sensações tão velhas e sempre estranhas medonhas pensava que desaparecidas, mas tomei consciência que nunca se irão embora tenho de aprender a viver com elas.
Passei a noite a esticar fotograficamente a minha memória mais recente. A última memória de prazer, de adrenalina, um ferver qualquer para o qual ainda não inventaram palavras suficientes para o descrever.
Transpiraste. Deixaste gotas de suor escorrerem-te pelo corpo e desenharem linhas esbeltas. Permitiste que a minha língua as provasse, e trocaste comigo um olhar fugidio que me provocou contracções na barriga.
O meu ventre arrepiou-se ao sentir a sensualidade com que te tocaste
moveste-te embalado pelos teus próprios sons, e com um sorriso de quem já adivinhou o que se segue, agarraste-me pela cintura.
As tuas mãos sempre me endoideceram. Tinhas os dedos apoiados nas minhas costas, mas eu já os sentia por todo lado. Queria-os imediatamente dentro de mim para depois os poder lamber enquanto me olhavas
trincá-los devagarinho e levar a tua mão onde eu quisesse.
Não desviaste o olhar dos meus olhos enquanto eu dizia coisas e pensava noutras. Sabias bem o que queríamos.
Os lábios pareciam tremer de tanto desejo
se durasse mais uns minutos explodíamos.
Foste depois embora passado um bocadinho, levado pela mão por obrigações.
A expressão com que partiste ficou-me gravada na memória
um olhar rejeitando uma despedida anunciada, triste. Quase me imploraste que eu fosse também, e eu quase fui.
O teu olhar durante a rápida despedida, disse-me tudo o que queria saber, e eu adormeci calma, serena, com uma gota salgada de felicidade escondida no rosto.
(Imagem de Mariana Castro)
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