E cá estou eu de novo. Morta. Isolada de tudo. Já não sei nada. Estou completamente perdida
tantas tentativas frustradas
aquilo que mais amo não parece estar ao meu alcance
melodia, porque não voas para junto de mim? Sons rítmicos ecoam. Enforcamento. Solução. O tempo escasseia e não consigo evitar nada disto. Que raio de realidade é esta? Mais me parece um filme de ficção. De novo os sons rítmicos, tambores. Já estou enterrada de novo. Como posso fugir de tudo isto? Parece que me persegue e não descola.
O que o meu corpo pede é rasgar as paredes com as unhas enquanto choro e berro. Besta que nasceste em mim. Preciso de sangue para viver. De que merda de contradições sou eu feita? Amizades desfeitas, amores corrompidos, vontades insatisfeitas, vivo a vida da forma que não aceito. (não me posso esquecer de respirar). Tudo o que quero está em contradição com o que faço.
Discussões, pessoas aos berros, loucas, bêbedas de ignorância, desgrenhadas, usadas da virgem de vida, importância supérflua de coisas
correm ao longo do metro
já tenho os joelhos a sangrar de tanto não as acompanhar. Parei, estagnei a meio da avenida e tudo à minha volta continua a girar. Faz-se um clic, e sou derrubada. Estou suja, sempre suja. Os joelhos, os cotovelos, o queixo, esfolados como os de uma criança. Só quero poder chorar para sempre.
Não irei ter um final feliz como se espera
não fui talhada para a vida comum, não consigo. Não consigo viver na abstinência do porquê de tudo, da razão que não encontro, do ódio por todos e por mim. Sinto-me a marchar ao longo da vida. Mas o que mais quero, é correr e rir ás gargalhadas enquanto os outros marcham, isso sim, me poderia fazer sorrir durante alguns instantes
E o tempo continua a correr a meu lado.
Mas o tempo continua a fugir-me entre os dedos. Parece areia de uma praia limpa, maravilhosa de segredo, única de virgindade do Homem, a escorrer entre os dedos de uma qualquer velha alcoólica que a apanha com as frágeis e envelhecidas mãos
essa velha parece ter o meu rosto, desvanecido, marcada mais uma vez pelo omnipotente tempo.
Maldito sejas.
Afogas-me em ti.
Não me apetece ir estudar as inutilidades que me querem ensinar. Não me apetece estar aqui. Não me apetece ir para lado nenhum.
Apetecia-me que a melodia me fluísse dos dedos como o sangue me fluí nas veias. Isso sim.
Um dia pode ser que também envelheças tempo cruel que foges.
(Imagem de José Marafona www.josemarafona.com)
Estou de rastos. As árvores batem palmas fortemente em meu redor. Saltitam e dançam como se fosse uma festa. Os músicos são os trovões e a cada batida sinto um murro grande no estômago. (Parece que bem me enganei com tudo isto
).
A terra é espezinhada a cada melodia. Já não há practicamente nada
apenas alguns pedaços de erva no meio da lama que já se começou a formar.
Está tudo a girar tão depressa
as aves anunciam o que já se previa.
As árvores esganiçam-se em vozes ensurdecedoras
magoam-me tanto os ouvidos
que estão elas a gritar? O que é? O que é? O QUE É? Não percebo
não sei se quero perceber
Tapo os ouvidos com mãos, enrosco-me em mim própria, tento rastejar dali para fora. Mas elas perseguem-me.
Estou assustada. Estou muito assustada.
Sinto uma brisa vinda de qualquer parte. Consigo tocá-la. Estendo-lhe os braços, mexo a ponta dos dedos dentro dela tentando que se envolva em mim. Está fresca. Tem um aroma que me vicia de imediato.
(Espero que me envolva todo o corpo
que me faça enforcar o medo e me desenhe um novo sorriso).
Brisa
como é bom sentir algo fresco finalmente. Como é bom ter-te aqui dentro de mim, à minha volta, em tudo o que é meu. Estou a sangrar dos joelhos
estão esfolados
desculpa.
Vais deixar-me repousar de mim? Faz-me levitar.
Faz isso. Faz-me levitar.
Deixa-me leve para que possa correr sem nunca ter de parar. Deixa-me correr pela mata dentro, sem magoar demasiado os pés. A desbravar caminhos, a sentir o cheiro da alfazema, sentir o peito ofegante, e de repente, dar um salto enorme, e poder correr sobre o mar.
Sim! É isso! Quero correr sobre o mar! Sentir as pernas molhadas e abraçar a linha do horizonte, a linha da ilusão. Poder tê-la nos olhos e saltar de novo!
Sim! Quero saltar de novo! Quero saltar para o rio. Quero caminhar no rio com a água doce pela cintura e sentir os seixos macios, lisos enquanto caminho. Deliciar-me com o verde dos pinheiros e mergulhar nas águas calmas. Abrir os olhos e ver
e não ter de vir à superfície respirar.
Brisa
quem és?
Alguém que caminha delicadamente sobre as folhas outonais.
Vestes-te de negro e tens os lábios doces.
Não te posso ingerir mais
Permites que te tome?
Ouve
com atenção
ouve
Ouve o sol a chamar alguém,
A queimar-lhe a pele branca,
Os ossos que se aguentem.
Valham-me os Céus que já não te posso mais.
Afiem-se as facas prontas para talhar o ódio!
Engulam a honestidade e olhem-me com escárnio!
Usem-no!!! De que têm medo agora?
Cobardes! COBARDES!
Sim! É para vocês que grito!
Vocês que nasceram com os olhos cosidos porque não olham.
TRAIÇÃO!!!!!!!!
Conhecem-lhe o uso
não a forma.
Eu conto-vos meus imbecis.
A forma é a paixão!!
É simples e informal
Não se perde nem se contorna. É directa.
Afiada como a lâmina que me corta as arestas.
Não se atrevam a tocar-lhe imbecis!
Bestas
usadas e facturadas,
Prontas para qualquer fim
Enojam-me a língua suja com que nasci.
Bebam
bebam
bebam,
Pois o líquido é infinito.
E tu
.minha brisa
fresca
Nasceu-te rosto
nasceu-te corpo
ganhaste forma.
Logo agora que tenho o peito cheio de mágoa,
E não te posso respirar.
(Imagem de José Marafona www.josemarafona.com)