Sábado, 29 de Janeiro de 2005
As palavras fogem! Olha como correm rápido! Mas eu não me importo. Sorrio a vê-las dar os primeiros passos, ágeis, velozes, ansiosos, em busca da liberdade.
Por vezes, há uma que cai, mas rapidamente se levanta, e parece que o amigo vento a ajuda a correr ainda mais depressa, desenfreadamente.
Umas saltitam, outras parece que voam, umas mais lentas que outras, mais pesadas ou mais magras, mas todas brincam e sente-se no ar algo diferente. Talvez a revolta se anuncie. Será?
Pouco importa neste momento se já esfolaram os joelhos, se foram pisadas ou empurradas. O que interessa é correr.
Ouvem-se risos e gargalhadas, vozes, gritos, não há um segundo de silêncio. Todas juntas criam uma melodia deliciosa, e aconchego-me na cadeira para as ouvir melhor. Para as ouvir melhor ainda, fecho os olhos.
Sinto-me leve, sinto-me uma delas. (Que palavra serei eu?). Posso correr mais do que todas elas, mas não o faço, deixo-me ir na corrente
gosto do toque delas, do seu significado. Mas a verdade é que estou na cadeira, aconchegada.
Parece que fui tocada por uma palavra
não sei se é o nome ou o significado e não me interessa. Vem
deixa-me sentar aconchegada nesta cadeira, ao teu colo. Diz-me que palavra sou eu agora
toca-me com as palavras inesperadas que gosto tanto
mas não só
acompanha-as com o toque. Eu não sou só feita de palavras. Também tenho corpo.
A alucinação continua. E tu viajas comigo. Sempre.
Choro de felicidade por não a saber.
Ouço as músicas que recriam as tuas palavras no meu pensamento
ai como sabem bem. Tenho-te aqui, nelas. As loucuras, o pouco usual que somos, as banalidades que foram precisas, tudo, tenho tudo aqui!
Não
não falo de amor. Falo de ti. E de mim. Dois corpos que se uniram com palavras, graças à casualidade. Avistaste-me
observei-te
clic.
As palavras continuam a correr. Nunca hão-de parar! As primeiras já vão longe, e o sagrado nascimento ocorre a cada momento que o "ring" se faz ouvir.
E eu sorrio. E momentos mais doces não podia ter, nunca.
(Imagem de José Marafona www.josemarafona.com)
Terça-feira, 18 de Janeiro de 2005
Ao fim de muito tempo. Quando o logro da noite perturba a imensidão das luzes claras, e o vento se revolta contra o chão, e as árvores bailam em despedida da paz, e os céus choram em gemidos de grito, esperarei, sentada na maresia.
Quando o sol renascer das cinzas, e as almas se desterrarem da carne, e os dedos se escapulirem por entre as saias deslumbrantes, e os decotes forem o corte amargo dos meus pulsos, não esperarei mais. Erguer-me-ei por entre as torrentes de água enlameada, por entre os sulcos escavados pelos esgotos proeminentes, por entre o brilho de uma esperança, e caminharei para bem longe, sobre uma fina gentil camada de água que flutua no espaço destinado ás estrelas, e alcançarei algo que não estou bem certa de quê.
O silêncio pronuncia-se mais uma vez. Invade-me algo negro. Cai e esbate-se por todos os poros do meu frágil corpo. Sons estranhos que me inundam daquilo que sou, assustam-me um pouco
levam-me a viajar tenramente por mim. E sussurram-me ao ouvido, levam-me a ser cada vez mais eu, a pronunciar-me e finalmente afundar-me na paisagem repleta de sulcos, um quadro, eu.
Nasci de novo. És como eu.
Cavidades.
Aahaha! Rio-me descontroladamente. Que sabor picante! Rio-me mais e mais e parece que o eco produzido pela minha voz enche a barriga do mundo. Estão a ouvir-me?? Desenganem-se que não estou louca ainda.
Estou cheia por dentro, repleta de uma energia que abafa tudo, que se expande a cada milímetro deste espaço, que me faz exceder-me de mim!
Sim! É bom exceder-me! Ver os meus limites, até onde esta carcaça aguenta a magnitude da alma!
AHAHA!!!! Rodopio, danço, movo-me com movimentos que nunca julguei serem possíveis!
A sedução nasceu e espero-te.
Apetece-me exclamar tudo. Arrastar a sensualidade por onde caminho. Fazer-te desejar-me, e a ti também.
Apetece-me morder os lábios carregados de sexo.
Sabes bem o que isto significa
podes devorar tudo mas existe algo que nunca conseguirás.
Irei ter contigo mais tarde, tu tens força suficiente para me carregar nos braços, para me sujares com o teu baton, para me rasgares a roupa.
Ai como está quente a tua pele
como suas! E ainda só me tocaste por breves momentos ocasionais. O teu olhar não descola do meu, estás a falar comigo sem dizeres uma palavra. Humedeces os lábios enquanto me observas, e fantasias com os movimentos que te dizem a minha alma.
Ahahah! És como eu
este também é o caminho que persegues incessantemente, que te faz esquecer, que te faz sentir bem, que te leva ao êxtase. Conheço o teu corpo há tanto tempo, e a cada vez que iniciamos o ritual, parece a primeira. Nunca temos a certeza se prosseguiremos ou não.
(A traição é uma harmonia que sabemos tão bem
não é suja como a comum
fala mais alto e faz parte de nós. É inevitável.)
Ganhas coragem e aproximas-te de mim. Dizes-me qualquer coisa ao ouvido que não entendo, porque fechei os olhos e deliciei-me com o roçar dos teus lábios na minha pele, com uma das tuas mãos a afastar-me o cabelo, e a outra, discretamente, a afagar-me a cintura. Mas sorrio para ti como se tivesse entendido.
Temos um sorriso inevitável desenhado na cara e os olhos brilhantes. A língua húmida, inquieta, ansiosa pela outra.
Tudo continua como nunca, e parece que o meu quarto, simples e vulgar como qualquer outro, é um lugar especial, próprio para nós e outros com o mesmo propósito
um lugar sem tabus, onde se liberta o corpo e se abre a alma, sem ninguém dar conta, sem ninguém olhar, sem vergonhas, sem pudor, sem medo. Apenas desejo.
Terça-feira, 11 de Janeiro de 2005
Uma vasta e densa forma de ataraxia.
Sobrevalorização de ideias redundantes que nada significam. Implicações de vida simples e trépidas como o ar. Respiração. Fôlego. Brisa. Doce. Amargo. Eu. Existo. Ou talvez não.
Existir voando sobre o corpo, planando tudo aquilo que resta de mim. Quero limar as arestas daquilo que sou e não me é permitido. O extenuante prazer das formas. O lânguido sabor a mel. Tudo isto não é mais que viver.
Um desenho sobre uns livros representa aquilo que sou
ou outrora fui
interrogo-me agora se não serei demasiado pequena para mim própria e a morte não será a minha liberdade.
A ataraxia volta a inundar-me. Fechar os olhos e rezar preces que não sei de cor e nunca ouvi completamente. Deuses fictícios, imagens fantasiásticas, filmes, pornografia, melancolia, maçãs, dedos, tecnologia, e um lápis em repouso. Reconhecer aquilo que sou perante os outros. Assumir a minha força e desvendar mistérios de alguém. Porque não os meus? Um corpo de mulher. Homossexualidade. Orgias. Amor. Paz. Serenidade. Escuridão. Negrume. Luto.
Arte e artista, sinónimos de tristeza, apatia? Talvez sim de incompreensão e dor. Notas soltas voando na plenitude do sofrimento. Poemas escritos ao sabor da água, da espuma, das marés, influenciados por passados, desejos, e um país repleto de poetas, doentes e vigaristas.
Os objectos mantêm-se quietos, imóveis. Agora vejo como são assustadores. Não estão mortos mas não têm vida. Fotografias de momentos representantes de ânsias, de uma sofreguidão abundante em pequenos corpos, firmes, suaves, completamente borrados, enfim, jovens, mas com manchas de velhos. Tecidos soltos, meias, ligas, batons, vernizes. Sombras de alguém? Afirmações.
Afirmações feitas, ditas pela milésima vez, construídas para serem utilizadas em circunstâncias específicas, massacradas pela repetição de actos. Não quero cair na rotina. Não quero apenas ser. Quero viver. Quero respirar e sentir que estou viva, e em mim. Quero a liberdade, mas não a solidão. Essa só a desejo quando lhe sinto o cheiro, quando a ambiciono.
Retomar as palavras e ter alguém, ou muitos alguém que me compreendam e vivam este sentimento comigo.
Enfim
partilhar vidas
não fugir do inevitável. Não fugir de quem somos
Importa a sensualidade. Uma fina beleza escondida no rosto de uma mulher, não desconhecida, mas que não se conhece. Transportar o glamour, a classe, todo um charme num doce pestanejar, num mexer de pernas, num andar, num rodar de braços, num mexer de lábios, num profanar de palavras que ganham corpo e vida própria. Nos seios firmes e redondos. Na pele macia, nos longos esbeltos dedos, numa curva simples e louca como a anca dela. Numa cintura tremendo de desejo por umas mãos que encaixem.
Escolher a majestosa vida, escolher a majestosa morte. Tê-la nas mãos e decidi-la, não a deixando escolher qual e como. O poder de ser, passa agora ao poder de ter, sentir.
Beber um copo de vinho, tê-lo a escorrer pelos lábios, pelo peito, e cheirar a aproximação do desejar.
Penso que não é tão complicado assim.
(Imagem de Nanã Sousa Dias)