Pelas penumbras das sombras, vagueio corcunda em alento. Contraio os músculos faciais numa tentativa de impedir as lágrimas de desaguarem
pequenas contracções começam a surgir mesmo sem rega, e soluço até cair de joelhos. A gravidade parece impertinente quando dá as mãos com a mágoa e nos obriga a cair.
Porque não paraste enquanto era tempo?
Recolho num casulo que se afunda em areias movediças.
Lentamente recuso a claustrofobia de ser a que estou submetida e apareço deslumbrante, como se tudo não passasse de um pesadelo. Talvez seja
tenho tantos. Na minha inconstância pode ser que vença
quem sabe?
E venço, mas por caminhos não desbravados...
Sento-me, recosto-me
deixo cair a cabeça para trás num penar seco e natural. Olho pela janela que reflecte um dia de uma cor suja, estranha
pouco agradável de tão abafado. A ventoinha ligada de pouco serve
vaporiza um ar fresco de vez em quando e some-se para o lado como se de um amuo se tratasse.
Tenho por companhia um soneto que contrasta com o nome alegre
é perfeito para a cor de lá fora. Relembra tempos passados em ventanias e sobressaltos, que apenas passam por mim quando se esquece o amuo e ela se aproxima cantando o vento.
(Planam notas picadas penduradas por fio de coco directamente das estrelas).
Derradeiramente vem o fim do dia que adivinho ao olhar para o relógio e não pela cor do sol que não existe. Para mim é de noite
é sempre de noite. É de noite porque prefiro a noite, é de noite porque é quando te encontro e me murmuras com o olhar, é de noite porque me perdi nela para sempre
é de noite porque ontem não me deixaste adormecer e ainda não acordei. Porque estou tão alegre quanto este soneto que contrasta com o nome de alegre.
Pego nas pequenas imagens que o tempo me deixou guardar e reconstruo a sensação
as palavras
o riso
o toque
o beijo que me deste com o olhar.
Aumento o som da música de fundo que me acompanha no resgate de vida perdido no nó da garganta
apertado ao sabor do dançar dos ponteiros do relógio à medida que as horas avançam e continuo sozinha.
Aproxima-se uma criança, inocente e carregada de vontade de estar comigo. Conta-me histórias que vão ficar perdidas no esquecimento da sua doce memória, e preocupações
afinal o dia está mesmo esquisito e não há maneira de compreender a crueldade do Homem
pobre criança
também eu não entendo. Juntas-te a mim neste caminho por agora, mas em breve esqueces e já queres brincar como te prometi. Vês que também eu estou esquisita a par com o dia e mais uma vez não entendes
Dás-me a mão e puxas-me para a vida
acho que vou aceitar este convite inocente para respirar e esquecer-me do quanto hoje tudo está estranho e feio.
(Imagem de Joanna Kinowska)
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