Sábado, 2 de Maio de 2009
Um novo mundo por explorar.
Sem emoções, porque já não sinto. A doença de sentir foi demasiado pegajosa, e vejo-me obrigada a afastar tudo entre drogas e renúncias…
Já não sei…já não tenho prazer…já não sinto…
Mudei de nome, e chamo-me apatia.
Estou mas é como se não estivesse, e se não estivesse ninguém dava pela minha falta.
Vou mas é como se ficasse…caminho mas é como se parasse…
Ouço, mas não absorvo…vejo mas nem dou conta…
Se me perguntam como estou não sei responder…
Se me perguntam onde quero ir não sei dizer…
Só restou a mágoa…a mágoa de ainda me poderem magoar, a mágoa de me sentir magoada pelo passado e pelo presente de não sentir…
Nunca mais rebolei por campos verdejantes de sensações, nem delirei de prazer em imaginações perdidas pela tarde fora…nunca mais pintei aguarelas de fantasias, não tenho sonhos, não existem magias nem poções mágicas de fazer a vida brilhar…
Perdi. Perdi esta batalha.
Dou-me por vencida e peço misericórdia porque já não tenho mesmo mais força, nem sequer vontade.
Sou o tiro da linha final do Equador. Sem jeito nem a propósito.
Não quero saber de movimentos, nem de harmonias, nem de saberes e alegrias…não tenho ânsia do êxtase, nem que ninguém me deseje.
Tanto me importa se bem ou mal olhada…se estou bonita ou rasgada, se durmo ou estou acordada.
Só sei que não quero ser perturbada.
Deixei de ver bem e tirei a camuflagem, deixei a espionagem de sensações transeuntes nos passeios que percorro.
Sábado, 13 de Dezembro de 2008
Não se aguenta mais.
É a isto que se chama limite.
Enquanto esperneiam do outro lado da parede, desta tenta-se manter os olhos abertos…todos temos um fardo a suportar e este é obviamente o meu.
Solidão e traição.
Tudo o que sou está guardado a cadeado cá dentro, com medo da dor….e mesmo sem terem a chave, pensam que sabem.
Ingénuos que me tomam como uma criança…
Vêem em mim um mundo de caprichos e obstinação….parece que não vêem nada então.
Resolvo tudo fechando de novo a pequena brecha que tinha aberto….a nada têm direito.
Julgam tudo. Não têm peso nem medida, e riem-se articulados pensando-se donos e mestres do diálogo inteligente mas anémica na verdade…
A inteligência não se encontra em dizer tudo o que se pensa…são a criança que me pensam.
Batem as portas e sinto outra arritmia.
Enjoo….inchaço…não podia estar melhor dia para a sucessão de pancada da última madrugada.
O céu negro….estouram flechas de luz e é tudo musicalmente vermelho.
Perfeito.
Até consigo ouvir o mar e as lágrimas a caírem abruptamente do abismo da minha face para o chão.
Nada me resta.
Não tenho ninguém.
Ninguém que me veja.
Pedaço inútil de carne por saborear…
Estou cansada de vozes estridentes…já ninguém sabe pausadamente sussurrar. É a única maneira de ser ouvido…estão todos surdos.
Tudo permanece imóvel ao som da chuva, mas sinto os órgãos a implodir a cada minuto…
Já não consigo entrar deslumbrante.
Já não cativo com o olhar e o sorriso.
O mundo fartou-se de mim logo depois de eu me fartar dele.
Domingo, 9 de Abril de 2006
(Dei mais uma passa no cigarro. Esperei por ela. Entrou deslumbrante e arrasou-me mais uma vez
tal como sempre
devastou-me com aquele sorriso encantador que me deixa atordoada.
Fiquei com as mãos a tremer. O coração batia tanto que quase me rasgava a pele, abrindo-me o peito para o mundo, exorcizando tudo o que me atormentava.
Comprimi os músculos
não queria permitir que os lábios se abrissem, que os olhos me lavassem a face e levassem a dor. O segredo corroía-me por inteiro, mas tinha de me lembrar por que o era afinal.)
Que reconfortante tomar as rédeas do tempo novamente. Usar as horas para o que se quer
queimá-las, simplesmente olhar o relógio no bater incessante dos segundos. Sempre me fascinou este rodopio que dita a nossa rotina e o nosso próprio tempo. Cada tic e cada tac, omnipotentes no seu tilintar pequenino, corroendo as nossas células cada vez mais velhas e tristes.
Tic, tac, tic, tac
canta-me o relógio, e eu imóvel a ver os ponteiros voar.
Que ousadia seria tentar correr mais depressa do que este instrumento lapidante de ar inocente.
Posso simplesmente tentar irritá-lo com risos ou movimentos, direcções, idas e voltas, melodias, lugares
mas duvido que adiante alguma coisa
ele não pára nunca. Parece que o regedor do envelhecimento guardou para si mesmo o segredo de não envelhecer.
Que apodreça jovem então.
Não quero saber.
Acordei sonolenta, bem cedo, quando tinha planeado dormir. A confusão batia bem forte com os pés no chão, não me deixando repousar
tudo se repetia como se de um eco se tratasse
Talvez devesse ficar alegre
afinal tive o recibo das contas que fiz, mal ou bem. Já está tudo claro. Mas eu não queria assim
maldito que andas a par com relógio. Só me atormentas.
Apetece-me um dia negro, que anuncie chuva. Tinha de estar um dia solarengo de Primavera para me contrariar o desejo.
Então decido viajar à minha maneira, como é hábito.
Mesmo sem fechar os olhos já consigo sentir a areia fria a acomodar-se ao meu corpo, cuidadoso, que se deitou no abismo anunciado de forma a que só os pés se fossem molhando conforme a ondulação
Sinto-me gelada.
E estou.
A minha pele está ainda mais branca
espreito por mim para ver se ainda me consigo mover ou se já me abandonei.
Se me encontrassem aqui talvez me dissessem morta
ou somente louca.
Desabafos pincelados de ironia
escrever para não dizer
escrever o que não se consegue dizer
na pele
no papel
na areia
ou no vento
seja onde for, os gritos não se fazem ouvir e já está tudo cansado de não entender.
Recolhemos assim ao nosso pequeno casulo
enrolamo-nos e conformamo-nos de não ter encontrado resposta
a busca apenas no serviu para apertar o nó da falta de esperança e o espremer de mais umas horas.
Agora deve estar o relógio a rir descontroladamente do meu embaraço com o tempo que me deu
usei-o com tudo o que não era necessário e está quase esgotado.
Pois que esteja
é da maneira que não tenho mais de me submeter aos pequenos, miseráveis, caprichosos rasgos de tempo que nos oferece, como se nos desse muito.
(Imagem de André Brito)
Sexta-feira, 3 de Fevereiro de 2006
De uma maneira que podia mas em nada faz lembrar os bons costumes, enviaste-me uma carta em branco assinada a desprezo. Não tinha remetente, de nada me valia responder-te em branco de igual modo e assinar a compasso, porque não irias sequer recebê-la.
É doloroso ter páginas e páginas sem fim sem nada para ler
mergulha-se num estado hipnótico neste branco de espuma do mar, que parece de raiva.
Então deixo-me levar pela tentação de um lápis acabado de afiar e escrevo tudo aquilo que queria ler. Escrevo até a exaustão da realidade quando me apercebo que por mais que escreva, está na mesma tudo em branco
carrego com mais força, até partir o espinho frágil de carvão
Escreve-se na solidão memórias de momentos de companhia, de nada me serve tudo isto
a memória foi curta. Culpa da mente infantil que teima em criar e fantasiar, e breves instantes tornam-se então repletos, eufóricos, quase parecem não caber no seu próprio tempo
E não cabem
e não passam de contos que gostávamos que fossem mas não são.
Revoltam-se as entranhas e encontra-se a última réstia de coragem ou falta de bom senso
a surpresa acontece quando provavelmente já não devia, permitindo que se instale uma confusão tremenda em cada poro do corpo
logo agora que as promessas já estão feitas
(mas não estavam prontas a serem cumpridas).
Assusto-me com a facilidade com que tudo se quebra
somos uma fina camada de gelo que pica passo a passo outra camada de gelo ainda mais ténue. Resta-nos esperar que mais uma vez o tempo cure tudo, e dessa forma volte o Inverno para podermos gelar e recomeçar, cada vez mais frios e mais finos.
Sou eu a bailarina pendurada do céu por fio de coco como uma marioneta, que dança articulada como quem voa numa pista sem princípio nem fim
danço explorando todos os ângulos, todos os movimentos, todos os sentidos, com e sem frenesim, suave ou obtusa.
Tento num esforço interminável que todo o meu calor sirva para derreter este gelo
mas não está ao meu alcance. Por vezes caio redonda no chão, desajeitada, mas levanto-me quase sempre
o embaraço já ficou algures perdido no tempo e a face nunca ficou rosada.
Podia debater com ódio esta sentença gelada de ter de dançar sozinha neste lugar de fantasia, mas não. Aprendi a gostar deste espaço
é branco, é frio, não se adivinha o seu início nem o seu fim, é largo, extenso, é intemporal
é só meu.
(Imagem de Sascha Huettennhain)
Sábado, 19 de Novembro de 2005
Depois de sorrir ao espelho para mim própria, inocentemente mergulho neste piano. Está a cantar-me a alma. Não estou triste mas deixo cair uma lágrima, maravilhada com a melancolia da vida e por ter os músculos finalmente descontraídos.
É tão bom
o mundo não parou mas já não há barulho. Somente existo eu, e este piano
arrepio-me tanto que quase tremo.
Solto o cabelo que me cai pelas costas e tiro a maior parte da roupa.
Calmamente, danço ao som deste gemido, tão frágil. Balanço os braços e movo o corpo pelo quarto, tal louca feliz por nada ter sentido. Embalo o ar, e deixo-me ser, sem ter de pensar.
Sorrio e estou a chorar. Sorrio por chorar
porque sinto mágoa e estou alegre. Choro por sorrir enquanto me afundo em notas desenhadas no ar, de formas sublimes e frias.
Choro por tudo. Choro porque já chorei, porque já ri, porque dancei, porque por vezes permaneço imóvel durante horas, porque sou de gelo ou ardo, porque sou frágil e forte. Choro porque sinto saudade, porque cresci
porque a confusão reina
choro por mim, sem pena. Um sentimento estranho de existência. Estou aqui, penso. E não entendo nada, mas não faz mal.
Sorrio por tudo o que chorei, por tudo o que ri. Por tudo o que senti
paixão, ódio, dor, alegria
tão comum
sorrio por ter conseguido não sentir absolutamente nada em certos momentos de vácuo. Sorrio porque me apetece.
Sinto-me calma, livre, plena, do tamanho do mundo. Podia correr para sempre se esta melodia fosse cantada lá fora pelo vento, e tudo o que era bonito podia também ser feio, ou bonito
ou o que é feio podia ser belo, ou mesmo feio
não importa. Não importa mesmo. E não faz mal.
Porque eu estou a sorrir e a chorar
e estou a delirar com a sensação.
O coração não pára de saltitar, como se também ele sorrisse e chorasse
Encantada. Vou correr e dançar neste quarto que é o meu mundo, até não poder mais, e ter de parar. E depois, vou aqui continuar a dançar e a sorrir enquanto choro, porque estou feliz de nada fazer sentido e eu não me importar.
(Imagem de André Brito)
Quarta-feira, 2 de Novembro de 2005
Abraço a solidão com quanta força tenho, pois é a minha única companhia. Tenra, somente ela não me foge nunca. Não me engana com histórias loucas de amizades fingidas e forças impingidas. Não me afia os nervos para passados momentos, inventar acasos e parecer que está tudo bem. Senta-se aqui ao meu lado, enquanto do outro me espera um mar de gente endiabrada e com quantidades consideráveis de álcool no sangue.
Se ao menos eu soubesse se me apetece ir, e estar sozinha rodeada de gente, ou sozinha sem ninguém
Falta-me força nos braços para os erguer e maquilhar os olhos, os lábios com a precisão milimétrica com que o adoro fazer
também nem sei se me apetece sentir-me bonita
Talvez no final da noite, quando já não valer a pena nada disso porque também a noite acaba, me arrependa de não ter ido
Ainda tenho os músculos contraídos, a pele quente, o cérebro a latejar
a espinha está em crista, a língua pontiaguda pronta a disparar qualquer veneno a quem me cuspa as palavras erradas
Bem tento soprar ar quente para as mãos em conchinha
mas estou de gelo
por todo o lado estou de gelo
ai se eu pudesse cantar a mágoa que sinto
se eu pudesse chorar
Se eu pudesse chorar
se eu pudesse contar tudo numa história bonita, contava. Mas só a solidão me conhece os sussurros e me sabe as lágrimas aquando caem, escondidas em imagens e grafismos sentimentais. E ela não fala.
Bebi sonolência em qualquer copo cheio de água poluída
estou intoxicada em segredos e palavras escondidas nas entrelinhas. Quem as souber, há-de lê-las
é assim que funciona este processamento maquinal embebido em sensações transpiradas, vindas de água poluída.
Balanço-me muito rápido na cadeira que ficará desengonçada
dantes era de madeira e gemia, agora é moderna e chia.
Já tenho o sabor rotineiro de dias difíceis na boca, e os cantos dos lábios ensanguentados. Magoa a pele que fica fria demais e não me deixa mover, vou ter de me ir aquecer.
Enquanto me levanto, sinto que dentro de mim, rasteja um animal adoentado, que se esconde num canteiro mal arranjando para morrer
mas cá fora, caminha altiva uma felina, de passos seguros, certeiros, como se soubesse o caminho e o destino, não o acreditando, apenas desafiando tudo a cada movimento. Olhar tão característico de fulminante que é.
Tanto embaraça como cativa.
Tanto apaixona como cria, sem se aperceber, ódios e ciúmes a que não dá importância.
Vai desenhando letras magníficas com a imaginação ao som de obras que são espelhos: I am the girl anachronism
..
E repito isto incessantemente.
Já sentada em frente à lareira, olho a madeira a chorar enquanto arde
estou perto demais porque sinto a pele de novo, mas desta vez, parece que borbulha de tão quente
Tenho vontade de ficar a noite toda neste aconchego tão familiar
eu, o estalar da lareira, e o relógio que ritmicamente não me deixa esquecer que o tempo continua a passar.
(Imagem de Pedro Palma)
Quinta-feira, 22 de Setembro de 2005
Andarilhos saltitantes que postulam nas veias e teimam em atrasar a corrente sanguínea das memórias doces, fazem das horas em que se não se anuncia a presença, um autêntico martírio na forma de sufoco. Estico os dedos dos pés e as pernas, numa tentativa alcoólica de me prolongar para além de tudo isto e viajar mais perto, mais rápido.
Porque as horas se anunciam.
Porque já se faz sentir a ausência.
Pecados de chocolate pela noite dentro que comete com ternura e me diz.Enjoam-se os exageros e risinhos adolescentes impossíveis de conter dançam esta música.
Porque têm razão quando dizem que a paixão nos faz sentir de novo com dezasseis ou dezassete anos
menos talvez. É a descoberta, a novidade, uma exaltação que não pára e deambula ora mais rápida ora mais lenta. De mãos dadas com o sorriso que se desvanece quando termina este tango.
Mas não deixa de ser tão bom dançar, pois não? Mesmo que seja uma música curta, concede-me esse prazer.
Invade-me a intimidade com loucura sem o saber. Arrepia-me o comodismo e tenho de erguer o corpo para pintar a imaginação com os meus próprios pincéis.
Ai se soubesse bem a feliz comunhão com que me deito comigo própria a par com a sua ternura em imagens pitorescas e infantis.
Mas tenho sempre os olhos tristes. As unhas pintadas. A maquilhagem que transmite mais ou menos o que sinto.
Estou nua
completamente nua numa exposição sentimental que não consigo escrever
desdenho das palavras que parecem nunca sair certas, e se não estivesse ao serviço da arte nesta galeria, talvez me irritasse ou me deixasse invadir por uma agonia tremenda. Mas não. Vou fazer o que me compete e simplesmente posar para este público sensato, que são paredes e rabiscos.
Imperiosamente teatral, pego no volante das histórias e concedo-me o prazer de fingir e de brincar. A ilusão plena de tudo o que invento parecer realidade, mesmo o que é realidade, ou o que é ilusão. É bom. É uma confusa distinção, chegando mesmo a fundir-se tudo numa lama peganhenta ou numa guloseima deliciosa
depende. Mas entretanto, perdi-me completamente nestas ilusões criadas de mãos dadas contigo que também são um bocadinho reais
Apercebendo-me do meu défice de carinho, vou-me enrolar no meu ventre e procurar conforto nos lençóis.
(Imagem de Renoux)
Domingo, 21 de Agosto de 2005
height=360 alt=JoannaKinowska.JPG src="http://childrenofglamour.blogs.sapo.pt/arquivo/JoannaKinowska.JPG" width=480 border=0>
Pelas penumbras das sombras, vagueio corcunda em alento. Contraio os músculos faciais numa tentativa de impedir as lágrimas de desaguarem
pequenas contracções começam a surgir mesmo sem rega, e soluço até cair de joelhos. A gravidade parece impertinente quando dá as mãos com a mágoa e nos obriga a cair.
Porque não paraste enquanto era tempo?
Recolho num casulo que se afunda em areias movediças.
Lentamente recuso a claustrofobia de ser a que estou submetida e apareço deslumbrante, como se tudo não passasse de um pesadelo. Talvez seja
tenho tantos. Na minha inconstância pode ser que vença
quem sabe?
E venço, mas por caminhos não desbravados...
Sento-me, recosto-me
deixo cair a cabeça para trás num penar seco e natural. Olho pela janela que reflecte um dia de uma cor suja, estranha
pouco agradável de tão abafado. A ventoinha ligada de pouco serve
vaporiza um ar fresco de vez em quando e some-se para o lado como se de um amuo se tratasse.
Tenho por companhia um soneto que contrasta com o nome alegre
é perfeito para a cor de lá fora. Relembra tempos passados em ventanias e sobressaltos, que apenas passam por mim quando se esquece o amuo e ela se aproxima cantando o vento.
(Planam notas picadas penduradas por fio de coco directamente das estrelas).
Derradeiramente vem o fim do dia que adivinho ao olhar para o relógio e não pela cor do sol que não existe. Para mim é de noite
é sempre de noite. É de noite porque prefiro a noite, é de noite porque é quando te encontro e me murmuras com o olhar, é de noite porque me perdi nela para sempre
é de noite porque ontem não me deixaste adormecer e ainda não acordei. Porque estou tão alegre quanto este soneto que contrasta com o nome de alegre.
Pego nas pequenas imagens que o tempo me deixou guardar e reconstruo a sensação
as palavras
o riso
o toque
o beijo que me deste com o olhar.
Aumento o som da música de fundo que me acompanha no resgate de vida perdido no nó da garganta
apertado ao sabor do dançar dos ponteiros do relógio à medida que as horas avançam e continuo sozinha.
Aproxima-se uma criança, inocente e carregada de vontade de estar comigo. Conta-me histórias que vão ficar perdidas no esquecimento da sua doce memória, e preocupações
afinal o dia está mesmo esquisito e não há maneira de compreender a crueldade do Homem
pobre criança
também eu não entendo. Juntas-te a mim neste caminho por agora, mas em breve esqueces e já queres brincar como te prometi. Vês que também eu estou esquisita a par com o dia e mais uma vez não entendes
Dás-me a mão e puxas-me para a vida
acho que vou aceitar este convite inocente para respirar e esquecer-me do quanto hoje tudo está estranho e feio.
(Imagem de Joanna Kinowska)
Quinta-feira, 18 de Agosto de 2005
Debato-me com paredes ensanguentadas de nada e pontapeio o ar.
Esgotada. E é esgotada que me apercebo da falta de importância de tudo o que construí até hoje. Sinto a pele a ferver com vazio
quase que se formam bolhas à passagem de cada pensamento que me escorre pelos olhos. Odeio tudo neste momento.
Choro o miserável que me rodeia.
Não quero falar, nem harmonias, nem carinho, nem paz, nem desassossego
não quero nada.
Desenhei letras e recortei-as a picadas milimétricas. Para quê? Tudo me é desconfortável agora. Talvez mais tarde goste, mas a perfeição com que o fiz está a morder-me os dedos.
O ar está irrespirável. Que irritação louca comigo própria. Que irritação louca por não encontrar o meu pequeno objecto de horas molhadas de vida anémica.
Não trespasso paredes nem pele
nem obstáculos nem nada. Estou aqui. Somente estou aqui. Esgotada com a minha irritação. Provavelmente a enlouquecer aos poucos. Apetece-me companhia para poder explodir nalguma coisa com vida, e assim ter uns braços de conforto ao mesmo tempo
umas palavras pouco usadas a transmitirem-me que está tudo bem e estou errada, se me acalmar vejo as coisas de outra maneira.
Queria ter saído de casa. Queria não ter colado imagens já destruídas na parede. Mas não é isso que me está a consumir a juízo. Não é isso, porque eu sei que não é. Então o que é? Também não sei. Talvez o apanhado ou a forma desconfortável como não me preparei. Ou então
talvez já esteja um pouco louca há algum tempo e ainda não tinha reparado.
Que irritação desmedida
estou a arder a compasso com o tempo.
Amanhã já não é assim
este sentimento também vai arder com o tempo
mas até lá, vão restar muitas cinzas e algumas queimaduras. Na impossibilidade de ser mais, sou menos e dou cortes finos de raiva fulminante mal dirigida
sou alteração de um monstro pontiagudo que mata inocentes.
Vou apenas aguardar que a lógica e a calma me assaltem dentro de pouco
afinal ainda reside alguma esperança no monstro.
(Caem lágrimas de desespero
até ele precisa de alguém
)
(Imagem de Micahel Goesele)
Terça-feira, 2 de Agosto de 2005
Estico os dedos. Preparo sem frenesim o que se aproxima.
Faço-me de contorcionista e desdobro a minha vida, cravada num papel amarrotado enfiado com desprezo no fundo de uma gaveta.
Cheira a pó.
Descubro algumas das peles que já usei atrás de um armário de sensações
sem as ter de vestir ainda as sei usar. Quase me assusto com a velocidade a que as memórias me acorrem, parecem pedaços de fotografias todos misturados, que organizo calmamente, onde estou sempre eu. E disso não posso fugir: o passado escorre-nos nas veias
não se pode simplesmente cortar os pulsos e esperar que se apague, porque esquecemos
também não se pode fingir que não aconteceu, porque não passava de mais uma pele, que mais cedo ou mais tarde iria ser despida, tornar a ser vestida e por aí adiante.
Conformo-me com esta pessoa que criei porque não estou com paciência para lutas e promessas de mudanças que nunca se cumprem. Talvez mais tarde
não interessa.
Não tenho nada para contar
estou apenas sossegada a sentir.
Inundo-me em imagens, pequenas réplicas ousadas do pouco tempo que sobrou.
Volto a cima para respirar e apercebo-me do dia, das horas. Não sei se estará a celebração a reinar ou apenas te encolhes nos lençóis
sozinho
amargurado com a vida e a idade que te persegue. O desdém de ontem fez-me um peso no estômago
Voltaste. Parece que nem os lençóis te esperaram nem a celebração
vens, não sei se por rotina se por vontade de conversar
mas vens.
Sabias que semeaste em mim um romantismo que desconhecia? Fria para com os sentimentos nestas coisas das relações, descobri que o amor pode ser doce sem ser foleiro
com que mágoa eu o sinto agora.
Bato com os pés no chão conforme os minutos passam, tal e qual uma criança numa birra estridente. Fantasio e quero-te. Não entendes?? Detesto que me faças esperar
(entretanto uma vozinha grita de alegria quando a barreira se quebra e tudo se alivia por afinal estares aqui
).
E é assim que detesto tudo isto
é assim que detesto sentir. Que odeio as esperas e os reconfortos que por vezes trazem.
É assim que me vem a loucura de não sentir nada para além do latejar do corpo dela e do meu. Umas pernas suaves, enroladas à minha cintura marcada, já habituada ao contorno do seu corpo...vibro com a sua língua a percorrer-me do interior das coxas ao pescoço.
Mulheres, sem serem precisos mais enfeites ou acessórios. Ornamentadas apenas com o aroma mais natural
o do desejo. Sem pressas desnecessárias, porque temos todo o tempo que quisermos para descobrir mais uma vez os prazeres que conhecemos tão bem
Encontrámos a proporção certa uma na outra. Vimos isso mal nos olhámos a primeira vez. Uma forma de paixão que não precisa de demasiado tempo
apenas o necessário para saber que se mantém acesa.
Neste momento, quero-te em câmara ardente mais do que nunca. Apetece-me o teu calor como no primeiro dia. Os teus lábios loucos, molhados nos meus e pelo meu corpo
como se conseguisses exorcizar toda a tristeza de dentro do meu peito por alguns momentos. Perco-me nos teus olhos que carregam a maquilhagem perfeita, e na tua pele prestes a ser marcada pelas minhas unhas.
Deve ser por isto que é tão bom estar contigo
somos duas mesmo quando somos uma só
(Imagem de www.dita.net)
Segunda-feira, 4 de Julho de 2005
Amarraram-me ao chão. No meio de nada, cheia de lama. Sinto a força das correntes que não me deixam contrair o suficiente. Deitada aqui, farta de espernear, paro e penso. Analiso as tuas palavras, o teu olhar. Revejo-me e desejo.
Aglutino tudo. As vísceras contraem-se repetidamente numa batida paralela ao coração que me faz tremer, suar um pouco e prolongar o minuto até ao arrastamento das horas não o suportar mais. Até ter de fechar os olhos.
Estão a crescer raízes de dentro de mim em direcção ao céu. Raízes que vão fazer crescer a planta que não deviam, raízes que nasceram ao contrário, que vão crescer ao contrário de todas as outras. Raízes sôfregas, que se prolongam até onde queiras
até que decidas não regar mais esta planta desnutrida de vida
Pinto os lábios de sedução. Trago um sorriso no canto dos lábios, quase sempre pronto para ti. Mas tens de me desamarrar primeiro
vá lá
anda, caminha para mim.
Acordo de um sono pouco profundo numa noite esbelta.
Na réstia de um toque delicado, definho.
Reencontro-me em temperaturas escaldantes, pedaços soltos e agudos de harmonias que me escorrem pela pele.
Afunilo-me para a espera do sorriso anunciado e sem o desmentir, corro para ele. Como se nada importasse
Como se nada importasse mesmo.
(Ergui-me da cama e ofereci às mãos as palavras que me assaltam a mente antes de adormecer. Costumo tentar perpetuá-las em qualquer pedaço de papel amarrotado que a alma pensa encontrar, agradece o descanso, e engana-se.)
Ainda sinto o ardor, a queimar, a percorrer libertino o caminho da vida, deixando-me adocicada de sons. Pouco mais e sou pena flutuante a caminho do horizonte, em busca da luz perdida por pouco mais tempo.
Hei-de sentir. Que prazer! Escrever ao sabor dos dedos, nada preocupados com a beleza arredondada das letras. Que prazer! Escrever, deslizando suavemente a esferográfica pelo pensamento pouco incomodado pelos condicionamentos dos seus similares. Livre.
A calma que me enche a casa e o peito esgotariam todas as cargas de esferográficas que tenho por aqui
Sinto-a plena, bela, esgotante em palavras. Uma maratona imperdível para prolongar agora e por outros dias
Não estou esgotada mas de súbito apetece-me o conforto dos lençóis. Deve ser por me ter lembrado da falta que tenho do teu.
(Imagem de Marcin Klepacki)
Sexta-feira, 24 de Junho de 2005
Refugio-me na penumbra de uns estores fechados a esconder um dia cheio de sol. Dou passadas largas numa confusão familiar e apetece-me que seja só isto por momentos. O escuro, a melodia, e eu. Um sitio quente. Preciso de algo mais pequeno e escondo-me debaixo da secretária. Isto é tudo quanto quero sentir. Cravo as unhas nos braços e soluço baixinho
já sinto o sabor amargo do que sou. Pecados inventados pela minha infantilidade, que sorriu para o que não devia
da maneira que não devia
para agora saber o que não devia. Rasgo os tecidos enquanto se preparam para a festa. Nem se lembram de mim aposto. Ficou-me o cheiro da brisa que pensava ter
a amargura pesa agora e a desilusão que pensava já não poder encontrar nesta idade. Caminhei vagarosamente para tudo isto
a culpa é minha, nem sei porque me queixo. Alguém com leviandade atou uma corda ao meu peito e puxa-me violentamente contra o chão. Estou massacrada, dorida, e não consigo desfazer o nó. Neste momento, vejo o oceano como nunca o tinha conseguido ver
apetece-me fazer parte dele e como por magia, fecho os olhos cansados e consigo. Sei que não há-de vir, sei que não me conseguirei fazer ouvir. Tumultuoso acordar este do dia a seguir. O levantar é penoso e custa acreditar que é mesmo isto. Sem máscaras, sem disfarce, sem mais com que sonhar. Lembro-me de mim, feliz a entender tudo como me fazia bem
ou entendi mal de novo? Que raio!!! Porquê esta incerteza
? Pensei que já tinha secado a mais fácil forma de falar
mas não
ainda caem lágrimas. Verdadeira, não me levanto
o luto tem de ser feito e eu fá-lo-ei. Enterrada em cigarros, cinzas, álcool. Os que me deram a natureza sempre sussurraram, e não erravam, que esta era a minha maneira de estar triste e desabafar
não se enganaram, nunca. São a minha melhor companhia, com um sorriso e os braços sempre abertos, para eu não falar como sempre, e poder não chorar à vontade. Os meus olhos brilham para o chão...custa erguê-los
o inchaço provocaria perguntas a que não posso responder. Vão chegar pessoas. Vou ter de me vestir e inventar um sorriso. Afinal está tudo bem e isto não passou de um sonho mau
pode ser que a mão que desenha este sorriso encontre a inspiração num verdadeiro que já esteve esboçado mas foi apagado, ontem. À noite. Uma tela para não esquecer como pode parecer que D. Sebastião vem lá, e não passa de uma neblina mais densa.
Segunda-feira, 13 de Junho de 2005
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Acabaram-se as obrigações por uns tempos. Vou poder assim descansar da rotina fatigante e tomar por completo o que mais amo. Até causar dor no pulso. Até me pedirem para me calar.
Também voltam as dúvidas
é necessário clarear as situações
é necessária uma intoxicação de pensamentos típica da solidão que se faz sentir. Preciso embebedar-me da situação. Pensar claramente e atrever-me. Arriscar-me e arriscar-te.
Tenho uma sede louca de ser invadida. Não. Não pelos fantasmas do passado
seres que se vestiam de sedução e me deixavam flutuante em pensamentos e libido não concretizada. Esses abandonei-os e não lhes tenho saudade
enjoaram-me, fazem parte do passado.
Tenho novos fantasmas. É pena serem fantasmas. Vou atingindo a passos pequenos um abismo, que vai acabar por cair para algum dos lados
não entendo porque não usamos todos a clareza de palavras
era tudo mais simples
Fico assim enterrada até aos joelhos de dúvidas, pensamentos que falam em tom de ponderações, receios que ora se aproximam ora se afastam, em compasso contigo.
Não me apetece mais. Estou cansada.
Ligo-a.
Autómato de desejos escondidos. Olho-me. Obrigo-me a ouvir o silêncio que se faz sentir não o entendendo.
Dispara de dois em dois segundos mas não me movo um milímetro sequer. Quero fotografar bem isto que é nada. Vincar os momentos que fazem parte de mim, aqui, sozinha, ansiosa de ti.
Sinto náuseas.
Contraio-me e impeço-me de.
Levanto o olhar e espreito à minha volta
a imobilidade dos objectos sempre me cativou.
Corre uma brisa gelada, não própria da época, e arrepio-me um pouco.
Apetece-me descrever exaustivamente tudo
Estico o braço
pego no cigarro
faz-se luz e inspiro o mais profundamente que consigo. A sensualidade do fumo à minha volta desperta a libido e sinto asco.
Estou nervosa, sinto as palpitações a mil. Detesto. Não sei qual é razão.
A solidão demorada faz-me disto. Só comigo não preciso de fingir, e a situação repete-se.
A máquina continua a disparar
Grava a fragilidade, a força, a energia, e todas as sensações contraditórias que passam por mim agora
a minha ambiguidade é notável, não havendo nada que eu possa fazer para a evitar.
Caminho descalça por aí
não sinto tristeza mas sim revolta. O conflito dar-se-á brevemente e colocarei tudo o no sítio certo. É insuportável a miséria dos meus pés descalços neste trilho.
Os lábios já sangram
mordo-os compulsivamente quando estou ansiosa. O sabor a sangue deve ter qualquer efeito mas não estou certa de qual é. Apetece-me parar e não consigo. É viciante.
Volto a abrir os olhos
decido parar a máquina e vestir-me.
Vai dar-se de novo. Sinto-o e tenho medo. Vou encolher-me e imaginar que não existo.
(Imagem de Konrad Gos)
Quarta-feira, 25 de Maio de 2005
Pego nas farripas que restam das poucas memórias que construí.
Olho-me. Penso. E soluço em silêncio.
Tenho medo que me ouçam e perguntem o porquê de tanta lágrima derramada no meu colo. Não quero dizer
nem sei se sei porquê.
Não talhamos a vida como queremos
construímos um passado pouco belo, um presente inseguro e um futuro sem esperanças. Contrariados, mas fazemo-lo.
Limpo as lágrimas da cara com a mão
são tantas que escorrem, e fazem trilho pela palma da mão, pelo braço fora
até que caem violentamente no chão.
Sinto fitas de seda a crescerem a partir dos dedos até ao infinito
.extremidades que nunca se tocam, mas dançam sempre ao sabor da minha pouca felicidade. Queria espreitar lá para trás e sentir que valeu a pena
só isso.
Os minutos passam
os dias passam
passam também os anos
e nada. A voz tem medo de ficar insegura e mergulhar finalmente no abismo, porque aí sim, seria o fim. E parece que o tenho anunciado quando penso nisso. Como só me apercebi agora?!! Até as pupilas cresceram com tamanha alucinação
há quanto tempo já mergulhei
simplesmente ainda não embati no fundo. O último sentir com a pancada final.
Sangro dos pulsos até saborear o suficiente e ficar como sempre: insatisfeita. Que pulsar desmedido
até parece que existes.
Sonhei
de novo
já não sei há quanto tempo tenho pesadelos constantes
durmo sem dormir para poder descansar do medo, com medo. E que ousadia a tua de me pores assim a voar! Era um pára-quedas pequenino, atado a cintura, e nós tínhamos de ir de braços abertos, como se fossemos mesmo nós que íamos a voar
até sentia o vento na cara
e juro que lhe sinto o cheiro já mesmo acordada. Voei, passeei, espreitei as curiosidades que me disseste, mas não consegui aterrar junto de ti. E tremi de medo. Perdi-me no meio do oceano que afinal não era um rio. Queria parar, para ao menos me poder afogar, e não conseguia
continuava numa calma ridícula com se de um passeio se tratasse. Esperneava, berrava, chorava e nada
até que desisti e me rendi
depois acordei.
Levantei-me
arrastei os pés, enfiados nuns chinelos demasiado grandes, que me fazem tropeçar a todo o momento. Lavei-me. Vesti-me. Olhei-me no espelho e fingi que estava tudo bem.
(Imagem de www.psychoartcom.ar)
Sábado, 21 de Maio de 2005
A rotina de ser todos os dias é exaustiva. Já quase me caem gotas de suor pela testa abaixo e estou sem me mover há horas
provavelmente uma vontade inconsciente de testar a minha capacidade de silêncio ou apenas parvoíce.
Não
não estou a falar de tristeza, nem muito menos estou triste. Será que deriva daí o espanto? A sinceridade obriga-me a dizer que não sei e é isso que me intriga.
Pouco me apetece pensar, estar, rir, chorar, ouvir, sentir
hoje simplesmente não me apetece nada. Tanto faz se estou sozinha ou acompanhada
estou calada, e se vierem ter comigo não esperem resposta à pergunta sobre o que estou a pensar. Porque não estou.
Hoje abandonei-me.
Abandonei a libido, a arte, a paixão, o cansaço, a vontade, a coragem, as lágrimas e as gargalhadas.
Sinto-me mal sem me sentir.
Com os olhos abertos ou fechados, inerte por uma quantidade incrível de horas, há imagens que me invadem, estranhas. Esta estúpida inércia, não me permite agora tirar qualquer sentimento acerca nem através delas
talvez mais tarde
? Logo se vê
São mulheres de peito rasgado, com asas enormes nas costas e dedos articulados. Têm lábios de madeira pintada a carmim, os olhos ofuscantes, maçãs do rosto salientes mas pálidas. Mastigam o ar a cada passada, lenta, morna. Usam vestidos rasgados e percebo-lhes um sexo nu, húmido e sabido.
Afastam-se e voltam
afastam-se e voltam
parece-me uma dança ou ritual.
Só me incomoda não pararem de olhar para mim, mas não me apoquenta. Estou tão pouco interessada nelas que as olho de soslaio e até parece que elas percebem isso
(espero continuar a ter consciência que isto é tudo imaginação minha
).
Foram embora as minhas deusas de lábios de madeira e carmim.
Lembrei-me agora dos loucos que todos os dias vagueiam à minha porta
tenho medo que se aproximem de mim
não suporto ser tocada por desconhecidos. Mas observá-los, gosto.
Também gosto de observar as pessoas atarefadas em correrias desmedidas para apanharem o metro, ou a perderem a paciência numa fila de trânsito. Correm tanto que não vêem o que lhes corre ao lado
toneladas de vidas e histórias todas semelhantes que me encantam ao longe numa janela de quarto andar.
Talvez seja melhor mover-me enquanto te espero. Apercebi-me agora que isto também é uma espera e confesso que fiquei enjoada.
É preferível ficar quieta, quase sem respirar.
Que venham de novo as deusas com lábios carmim. Que me ofusquem com o olhar e me rasguem o peito para também eu poder mastigar o ar a cada passada lenta, morna, com o sexo nu, húmido, sabido, e os lábios de madeira pintados de púrpura.
(Imagem de Nuno Belo)
Segunda-feira, 16 de Maio de 2005
Há coisas que não se podem dizer.
Assim nos submetemos aos abutres, sempre famintos e atentos a qualquer deslize. Criamos desde cedo pés inseguros, fazemos caminhadas incertas, falamos com uma língua usada, quase morta, julgamos que temos asas e quase que voamos.
Não. Até quando aguentarás este sufoco?
Vais esperar tanto tempo
o tempo das rugas te caírem pelo rosto, anunciando a sabedoria necessária para se dizer o que os outros julgam como parvoíces.
Parece-me que são essas parvoíces mesmo que queres dizer
(sinto-me muda) essas loucuras que se dizem e se sentem com a alma quando se esconde a vergonha e o medo.
Sim. Porque quase sempre temos um certo pudor em dizer o que sentimos
(já não aguento mais isto).
Até já lhe trocaste o nome. A sorte esteve do teu lado, e teceu tudo de maneira a ele nem se aperceber.
Ahhh
como me apetecia rir ás gargalhadas de tudo isto. Soltar gritos estridentes e dançar até cair redonda no chão. Movimentar-me com tanto sentido quanto tem a minha vida.
Que dança frenética seria
recheada de movimentos obtusos, impertinentes, inseguros, quedas geladas e um ardor constante.
Não interessa.
Vou fechar aqui os olhos. Imaginar as coisas que gostaria de ter dito, a coragem que gostaria de ter tido, e a calma que sempre procurei e nunca consegui encontrar.
O cansaço arrebate tudo cá dentro
e por agora, apetece parar.
Só espero encontrar-te novamente pelo caminho.
(Imagem de José Marafona www.josemarafona.com)
Segunda-feira, 2 de Maio de 2005
Afastei-me durante algum tempo. Todas as palavras me pareciam demasiado intensas e não me apetecia ter-me nem mais um segundo. Afoguei-me em sensações tão velhas e sempre estranhas
medonhas
pensava que desaparecidas, mas tomei consciência que nunca se irão embora
tenho de aprender a viver com elas.
Passei a noite a esticar fotograficamente a minha memória mais recente. A última memória de prazer, de adrenalina, um ferver qualquer para o qual ainda não inventaram palavras suficientes para o descrever.
Transpiraste. Deixaste gotas de suor escorrerem-te pelo corpo e desenharem linhas esbeltas. Permitiste que a minha língua as provasse, e trocaste comigo um olhar fugidio que me provocou contracções na barriga.
O meu ventre arrepiou-se ao sentir a sensualidade com que te tocaste
moveste-te embalado pelos teus próprios sons, e com um sorriso de quem já adivinhou o que se segue, agarraste-me pela cintura.
As tuas mãos sempre me endoideceram. Tinhas os dedos apoiados nas minhas costas, mas eu já os sentia por todo lado. Queria-os imediatamente dentro de mim para depois os poder lamber enquanto me olhavas
trincá-los devagarinho e levar a tua mão onde eu quisesse.
Não desviaste o olhar dos meus olhos enquanto eu dizia coisas e pensava noutras. Sabias bem o que queríamos.
Os lábios pareciam tremer de tanto desejo
se durasse mais uns minutos explodíamos.
Foste depois embora passado um bocadinho, levado pela mão por obrigações.
A expressão com que partiste ficou-me gravada na memória
um olhar rejeitando uma despedida anunciada, triste. Quase me imploraste que eu fosse também, e eu quase fui.
O teu olhar durante a rápida despedida, disse-me tudo o que queria saber, e eu adormeci calma, serena, com uma gota salgada de felicidade escondida no rosto.
(Imagem de Mariana Castro)
Sábado, 16 de Abril de 2005
height=180 alt=lipsmoke.bmp src="http://childrenofglamour.blogs.sapo.pt/arquivo/lipsmoke.bmp" width=140 border=0>
face=verdana> Que sede.
Estou completamente sequiosa.
Tenho sede da tua sedução. Do peso do teu corpo sobre mim, do teu gemido, do teu suor.
Tenho sede de te olhar quando me começas a beijar os pés e me fazes vibrar com a tua língua ao longo das minhas pernas, que parecem infinitas.
Dos teus olhos a sorrir, a transparecer o desejo de me veres ter prazer, de me veres a querer sentir os teus dedos dentro de mim. Um bocadinho frios
não demasiado. Sentir o contraste e o aquecer logo de seguida.
Ahhh
como tenho sede dos teus braços que me suportam em peso com facilidade para onde mais desejamos. Fazem-me levitar contra a parede, contra o chão, contra ti, com a força exacta para me deixar ainda mais leve.face=verdana>
face=Verdana>Sede de ti. Do teu sorriso quando me adivinhas pronta para te tomar, mas ninguém sabe o que poderá surgir
é sempre uma surpresa o toque da tua pele, as palavras que deixarás fluir, o tempo que ficarei perto de ti.
Dizem que os actos valem mais do que mil palavras. Pois bem, neste momento se eu te pudesse ter aqui, não as deixaria de lado. Usava-as como putas, injectava-lhes doses industriais de sensualidade, e fariam uma aliança com os actos, com os movimentos. A soma seria tão larga quanto a sede com que eu estou.
Explodiríamos de desejo e a concretização seria majestosa.
Vestiríamos o prometido com todas as cores faladas após a viagem. Está tão bem desenhado como da primeira vez.
As 4 da madrugada já voaram
a palidez da noite, a forma como ela, sorrateira, me seduz e me deixa embevecida com tudo, não me permitem ainda ir tentar dormir. Tudo nela é real
os sons ouvem-se sensuais, as cores arredondam-se, as relações ficam amantizadas, as interacções atrevidas, e há espaço para tudo.
Nela, o meu erotismo renasce e expande-se de mãos dadas com a minha imaginação.
Domingo, 10 de Abril de 2005
Encontrei algumas palavras perdidas em folhas amarrotadas pelo tempo
Maldita sobriedade do momento que aterras e me deixas só a flutuar com sensações que não controlo. Havias de lhe tomar o gosto salgado, perceber o buraco retalhado de ódio, frustração, dor e azedume que provoca estar a par de mim, sem mais poder fugir ao que sinto.
Parou a alma em momentos que queria esquecer. Todos juntos, em uníssono, gritam-me o que não queria lembrar.
Frustração, devia ser o meu apelido. Não consigo lidar com ela e era uma forma de me habituar. Frustração de apelido, sim
seria coerente. Como detesto, odeio ser rejeitada. Não suporto. Causa-me náuseas, lágrimas, raiva, tudo. Rasgo as palavras com a voz e os dedos ansiosos.
Nadar para ti
.se ao menos soubesse quem tu eras. Procuro-te, paixão. Procuro-te, sedução. Procuro-te, loucura. Procuro-te, sem saber onde.
E sem conhecer o teu rosto, faço amor contigo nos meus sonhos. Sim, porque nos meus sonhos tu queres-me como eu te quero. Não te percebo na realidade
tanto me assedias como repugnas. Tanto, que já não sei o que pretendes de mim
Quero sentir o corpo vibrar ao teu toque inesperado, e que traz a sensação de timidez e sensualidade ás costas. Seguir-se-iam
espera!!!!!!! O inesperado!!! Algo teu!! Que calor me fez trespassar, que gostas microscópicas de suor flúem em mim, e um vibrar que arde, que me aguça a curiosidade e o nervoso. Não sei porquê e como me deixas assim
costumo ser tão calma e fria. E toda a curiosidade desenha uma perplexidade no meu rosto quando te leio sem ressentimento. Querias levar-me lá. Gostava de te responder mas não percebo a que te referes e não me apetece fazer figura de parva de novo
lá terei de arriscar. Agora aguardo a tua resposta, provavelmente bem brusca e arrogante, como é costume quando te sentes afastado.
Estou aliviada por me ter controlado à tarde, e não te ter respondido como merecias
parece-me que ás vezes és mais imaturo do que eu
deixas a raiva fluir a um ritmo espantosa e vertiginosamente assustador. É característica tua. E minha também...menos contigo, e com ele, que amo loucamente e me faz a luxúria brotar da pele como o suor da pele de quem está em esforço terrível.
Agora viverei perto de ti
e de ti. Será que algum dia me visitas? Será que algum dia uma amizade turbulenta se deixa levar pela atracção imensurável dos corpos? Nem sei se mereces que esteja aqui a divagar sobre ti. (descobri agora, mais tarde que não).
Tal como eu julgava, não me respondes. Se disseres alguma coisa, será mais tarde, com insinuações a uma pseudo-imaturidade que julgas que carrego com a idade
não me conheces assim tão bem
És forte, e isso atrai-me mais do que o teu corpo. A tua idade e a típica cristalização da sabedoria que tanto me irritam em certos momentos, também me atraem noutros.
Estou dividida num mundo de sonho e na minha apática realidade
apetece-me cantar muito, muito, muito alto num sitio vasto, grande, repleto de verde e de animais, onde nenhum racional (ou humano) me ouça, onde eu me abstraia de mim e partilhe a minha voz com o vento, o sol, e a chuva, e o calor, e que me prolongue as extremidades até ao fim.
Questiono a minha coragem em certas situações e apetece-me colocá-la à prova. Também me apetece que te sintas fascinado por mim e cries uma admiração inabalável pelo meu frágil e duro ser. E Tu também. Não julgues que algum dia me esqueço de ti, meu amor verdadeiro.
Quero mais um cigarro ao som do meu silêncio e vozes televisivas de um programa interessante, que se fazem ouvir de outra divisão.
Apetece-me gracejar com a desculpa esfarrapada que deste ao teu erro ortográfico que fiz questão de emendar, em que logo te enterraste, chamando-me de castradora e mais que não me lembro. Podia rir-me tanto
.mas estou sem vontade de torcer os lábios sozinha.
Sonhos de uma pré-adulta ou de arte? Tudo me repuxa à mesma raiz aprumada e não consigo para de pensar em ti, nas tuas palavras (meigas e não tanto), nas tuas reacções, na tua amizade
enfim
nem sei se me apetece, mas tenho a sensação que vamos ter muitas mais discussões, e até sorrio a pensar nisso. Temos ambos personalidades muito marcadas.
Vagueio pelo pensamento a imaginar acontecimentos que fariam parte da nossa história e do nosso passado.
Chovem molhos de palavras ao som de promessas televisivas, que caem no esquecimento como a água se evapora aos cem graus.
Recordar
enfim.
(Imagem de Anita Andrzejewska www.anitaandrzejewska.netlin.pl)
Domingo, 3 de Abril de 2005
Aconteceu de novo.
Tive de fugir. Fugir de todos, de tudo, abandonar as responsabilidades e esconder-me. Deixei de ver, fiquei turva, o meu único objectivo concentra-se em sair dali o mais rapidamente possível.
Um ataque de pânico
palavras que me assombram há anos que parecem não ter fim
normalmente tenho-os conseguido controlar, não entendo
hoje a racionalização não teve efeito.
O medo torna-se gigante, asfixia, a sensação de não ter nada nem ninguém que me proteja naquela momento ou sempre
a única coisa que me vale, são as pernas. Correr. Correr o mais depressa que consigo para qualquer lugar, e quando o encontro, esse "qualquer lugar", ficar durante horas imóvel, a chorar e a tremer.
Uma mágoa de nada que parece impossível de suportar, um calor insuportável juntamente com arrepios, vómitos, lágrimas, e desta vez tive sorte, não surgiram os espasmos ou as convulsões, nem desmaiei.
Ainda estou a tremer de uma forma que me assusta sempre. Um nó que parece vir da ponta dos pés, atravessa a o estômago, a garganta e atinge violentamente o cérebro, sendo sempre grande e largo demais para todos os espaços do meu corpo. Sinto que vou rebentar.
Pensava que fosse de uma situação em particular quando reflicto sobre isso
mas agora, após tanto tempo sem a sua repetição, reparo que quase desde sempre, tive reacções deste género
desde criança
e estou saturada
muito saturada deste medo constante de ter medo.
Preciso de uma solução, não posso continuar assim. Mesmo esporadicamente, é horrível, e não quero isto para mim
não quero que isto acompanhe a minha caminhada por aqui. Preciso de me acalmar e encontrar a solução.
Logo eu que amo a liberdade de tudo
Quinta-feira, 31 de Março de 2005
Estou em pânico.
Apercebi-me. Sim, apercebi-me que não posso evitar. Que isto é real e já não há nada a fazer
Apetece-me chorar e escrever, anestesiar-me. Desconfio que vêm aí tantos problemas
a culpa não é minha
juro que não é.
Queria escrever mil e uma palavras que servissem para exorcizar este sentimento, mas não as encontro mais uma vez.
O pânico e o querer. É tanto de tanta coisa
sinto os lábios secos de medo, e o sexo ansioso por ti. O coração acelera demasiado, e eu gosto tanto quanto me incomoda
Ainda sabes o meu cheiro
eu decorei a humidade dos teus lábios, a suavidade da tua pele, do teu sorriso, as tuas mãos.
Quero-te hoje, amanhã, agora, há cinco minutos atrás, e à frente também. Acho que não estou a ser ordenada nos meus pensamentos
que me perdoem as gramáticas, mas neste momento não consigo
E se desse lado da margem for uma miragem? Não acredito que o fizesses
é muito tempo a fingir
mas quem sou eu para poder adivinhar isso?
Estou num turbilhão enorme de sensações
arrastam-me os sentimentos sem que eu os consiga fazer parar.
Não paro de pensar que devia ir, ficaríamos melhor
não posso, a condição soma-se à solidão, e tenho de por cá ficar
ai como queria aquele salto. Como eu queria aquele salto!!! Como eu queria aquele salto!!! Não te aborreças, em breve saltaremos.
Tudo isto causa-me uma mágoa, uma apatia que os olhos têm vontade de exprimir
a verdade é que a maior parte das vezes, os lábios não o permitem, cortando o momento com um sorriso embebido do que tudo isto significa: tu queres tanto quanto eu. Fico mais calma, feliz, e os olhos, impertinentes mais uma vez, querem gritar essa felicidade através da expressão usada na tristeza e na alegria, de formas tão diferentes por todos.
Não tenhas pressa
os momentos só se esgotam com a morte
eu sei que é mais fácil, a ansiedade aperta, mas ouve-me com atenção, encostada a teu peito,a falar com os teus lábios: temos mais oportunidades que vêm a par com o tempo
eu também quero mais rápido, mas agora não pode ser.
Pareço louca
a falar sozinha. Chamo-te e tu não vens. Tenho-te aqui, tu sabes que sim e gostas. Também me tens aí.
Quem eu digo que não sei, mas sei.
Sinto-me mesmo a enlouquecer
um sorriso nos lábios novamente, o embalar do corpo e a melodia.
Segredo a mim própria, que se enlouquecer agora, vou ser uma louca feliz, porque sonho com o que pode ser, já que acontece.
(Imagem de Anita Andrzejewska www.anitaandrzejewska.netlin.pl)
Segunda-feira, 21 de Março de 2005
São três da manhã. Está tudo calmo, sereno, apenas se ouve uma melodia escolhida e nova para mim, mas à qual me habituei rapidamente.
Doem-me as costas há bastante tempo e tenho os dedos da mão esquerda pisados, parece que vão rebentar
tenho passado tempo demais agarrada à guitarra. Parece que já me conhece a alma, e geme a harmonia que corre dentro de mim
Não me apetece escrever sobre a minha tristeza. Nem sei se estou triste. Estou confusa, com medo. Anseio tanto.
Após um dia como o de ontem, em que me ocorreu que pudesses
nem consigo escrevê-lo
mas eu sei o que é
nem consegui chorar, berrar as vísceras para comigo, para que tudo fosse expelido convenientemente
Adormeci profundamente magoada, abandonada a pensamentos amargos. Quando acordei, não queria abrir os olhos, não me apetecia olhar o mundo com eles, não me apetecia erguer o corpo da cama e voltar a encarar toda a minha realidade
nada está bem. Peguei no telemóvel para saber as horas com que me confrontava comigo própria de novo, após aquele período de férias sonoríferas. Já me tinham tentado contactar e eu nem acordei
em primeiro ecrã as chamadas não atendidas, e lá por trás um envelopezinho...Quando vi de quem era, sentei-me na cama imediatamente, de olhos bem abertos. Era tua e eu não podia acreditar nas palavras que me dirigias.
Fiquei um pouco mais alegre o resto do dia, claro
mas agora, que a energia se sumiu, volto a este posto, corcunda da vida, ansiando mais.
Estou cansada de fugir
já não suporto essa palavra.
A oportunidade aproxima-se a passinhos pequeninos, como se fosse uma linda menina carregando suavemente o sonho de ser bailarina. Engraçada na sua condição, desajeitada quando tenta assemelhar-se ao ideal que construiu na sua mente imaginativa. Traz uma saia enorme, e os pés ainda parecem mais pequenos descalços. Estão sujos, ela não pára um minuto, e tem prazer em caminhar descalça! (Serei eu?) Quando desaparece, é por breves instantes. Rapidamente a menina bailarina de nome oportunidade, espreita por qualquer lado e vem dançar para mim. Leio-lhe no olhar que me vem mostrar qualquer coisa de que tenho sempre medo.
O que se segue agora não sei...sei que não posso esperar outro acordar como o de hoje, mas não consigo parar de pensar como seria bom.
Sei bem o que vou esperar do resto dia. Já houve alguém que se encarregou de decidir isso
como detesto que o façam. Hei-de sair de casa só para não me encontrares
pego no carro e vou vaguear por aí
a música bastante calma e o pensamento em desassossego. Como sempre, e talvez para sempre. Ou então não
fico, sigo o caminho que traçaram, e deixo-te imbecilmente feliz a meus olhos por toda situação.
Pouco importa.
É melhor ir-me deitar
pode ser que adormeça e sonhe contigo.
(Imagem de Anita Andrzejewska. www.anitaandrzejewska.netlin.pl)
Sábado, 5 de Março de 2005
Não consigo encontrar as palavras. Dou voltas e voltas, e não as encontro. Não consigo descrever o que estou a sentir. Um batido de felicidade, medo, ânsia, descontrolo, e sei lá que mais.
Ainda bem que os momentos de amarras se desvanecem e eu me solto
a tua voz faz-me deitar e sossegar com um sorriso imaginário desenhado nos lábios. Era bem mais fácil ter visto tudo isto como mais uma tanga, apenas mais palavras ao barulho
mas não é assim, não me consigo manter indiferente. Quando te pego no pensamento, já não caminho sozinha
esta sensação agrada-me.
A libertina que existe em mim, envolveu-se toda em ti
neste momento, não me apetece sequer pensar noutros corpos, noutros lugares
apenas onde tu estás
que não sei onde é, mas não faz mal.
É bom viajar assim
a forma serena e plena de tu seres, acalma a minha, agitada e nervosa, fria e com dificuldades em demonstrar o que sinto.
Não posso dizer mais
não posso falar
podem descobrir
este vai ser o nosso segredo eterno.
Quando se pensa que já nada disto é possível, que a frigidez nos tomou para sempre, é uma óptima surpresa. Mas também sei que isto é mais um momento em mim
que vivo de momentos, e não se saberá qual é o próximo. Gosto de viver assim. Tu também tens a tua maneira, e aceito-a.
Só me apetece especular sobre os pontos do futuro em que nos cruzaremos
pela primeira vez, sinto saudades.
Assaltam-me agora imagens que não me apetece controlar
apetecem-me os teus lábios a percorrer a minha pele pálida, a tua língua molhada a desenhar suavemente nas minhas pernas
os teus olhos brilhantes, a lerem os meus, que se fecham de vez em quando, em sincronia com o corpo em pequenas contracções involuntárias. Dar-te as mãos com tanta força quanto as quero dentro de mim
sentir o teu beijo, ansioso, molhado, a anunciar o desejo que precisa de ser consumido, naquele momento
mas em tom quase cruel, faço-te esperar mais um bocadinho. Apetece-me prolongar isto
ver-te vibrar
beijar-te mais, olhar-te mais
ter-te mais dentro de mim, para entrares finalmente, e descobrires o que eu te puser à disposição. Há-de ser tudo.
Depois dançarei no teu corpo. Dançarei como uma louca. Rodopiando à tua volta, de braços abertos. Passarei suavemente os lábios nos teus, tentando dar-te a adivinhar o que se segue.
A disposição mudou completamente. Não. Não me apetece fazer amor contigo. Quero ter-te louco, feroz, como dois animais, como se esta fosse a ultima vez que o faríamos.
Sentir.
Sentir.
Sentir.
Sentir.
Sentir-te!!!!!!
A tua pele
o teu suor
o odor
os teus movimentos sensuais, bruscos, violentos, a tua virilidade, o teu desejo de concretizar mais um acto. E outro. E outro. Insaciável.
A contemplação de tamanha vontade, que nunca acaba e que aparenta ser sempre grande demais para estes corpos finitos. Sorriremos os dois ao ver o outro se aproximar, e uma sensação de abundância predominará.
Ainda bem que a felicidade vai espreitando, e é composta por momentos que, apesar de fugazes, nunca desaparecerão em nós.
Domingo, 20 de Fevereiro de 2005
E cá estou eu de novo. Morta. Isolada de tudo. Já não sei nada. Estou completamente perdida
tantas tentativas frustradas
aquilo que mais amo não parece estar ao meu alcance
melodia, porque não voas para junto de mim? Sons rítmicos ecoam. Enforcamento. Solução. O tempo escasseia e não consigo evitar nada disto. Que raio de realidade é esta? Mais me parece um filme de ficção. De novo os sons rítmicos, tambores. Já estou enterrada de novo. Como posso fugir de tudo isto? Parece que me persegue e não descola.
O que o meu corpo pede é rasgar as paredes com as unhas enquanto choro e berro. Besta que nasceste em mim. Preciso de sangue para viver. De que merda de contradições sou eu feita? Amizades desfeitas, amores corrompidos, vontades insatisfeitas, vivo a vida da forma que não aceito. (não me posso esquecer de respirar). Tudo o que quero está em contradição com o que faço.
Discussões, pessoas aos berros, loucas, bêbedas de ignorância, desgrenhadas, usadas da virgem de vida, importância supérflua de coisas
correm ao longo do metro
já tenho os joelhos a sangrar de tanto não as acompanhar. Parei, estagnei a meio da avenida e tudo à minha volta continua a girar. Faz-se um clic, e sou derrubada. Estou suja, sempre suja. Os joelhos, os cotovelos, o queixo, esfolados como os de uma criança. Só quero poder chorar para sempre.
Não irei ter um final feliz como se espera
não fui talhada para a vida comum, não consigo. Não consigo viver na abstinência do porquê de tudo, da razão que não encontro, do ódio por todos e por mim. Sinto-me a marchar ao longo da vida. Mas o que mais quero, é correr e rir ás gargalhadas enquanto os outros marcham, isso sim, me poderia fazer sorrir durante alguns instantes
E o tempo continua a correr a meu lado.
Mas o tempo continua a fugir-me entre os dedos. Parece areia de uma praia limpa, maravilhosa de segredo, única de virgindade do Homem, a escorrer entre os dedos de uma qualquer velha alcoólica que a apanha com as frágeis e envelhecidas mãos
essa velha parece ter o meu rosto, desvanecido, marcada mais uma vez pelo omnipotente tempo.
Maldito sejas.
Afogas-me em ti.
Não me apetece ir estudar as inutilidades que me querem ensinar. Não me apetece estar aqui. Não me apetece ir para lado nenhum.
Apetecia-me que a melodia me fluísse dos dedos como o sangue me fluí nas veias. Isso sim.
Um dia pode ser que também envelheças tempo cruel que foges.
(Imagem de José Marafona www.josemarafona.com)
Segunda-feira, 7 de Fevereiro de 2005
Estou de rastos. As árvores batem palmas fortemente em meu redor. Saltitam e dançam como se fosse uma festa. Os músicos são os trovões e a cada batida sinto um murro grande no estômago. (Parece que bem me enganei com tudo isto
).
A terra é espezinhada a cada melodia. Já não há practicamente nada
apenas alguns pedaços de erva no meio da lama que já se começou a formar.
Está tudo a girar tão depressa
as aves anunciam o que já se previa.
As árvores esganiçam-se em vozes ensurdecedoras
magoam-me tanto os ouvidos
que estão elas a gritar? O que é? O que é? O QUE É? Não percebo
não sei se quero perceber
Tapo os ouvidos com mãos, enrosco-me em mim própria, tento rastejar dali para fora. Mas elas perseguem-me.
Estou assustada. Estou muito assustada.
Sinto uma brisa vinda de qualquer parte. Consigo tocá-la. Estendo-lhe os braços, mexo a ponta dos dedos dentro dela tentando que se envolva em mim. Está fresca. Tem um aroma que me vicia de imediato.
(Espero que me envolva todo o corpo
que me faça enforcar o medo e me desenhe um novo sorriso).
Brisa
como é bom sentir algo fresco finalmente. Como é bom ter-te aqui dentro de mim, à minha volta, em tudo o que é meu. Estou a sangrar dos joelhos
estão esfolados
desculpa.
Vais deixar-me repousar de mim? Faz-me levitar.
Faz isso. Faz-me levitar.
Deixa-me leve para que possa correr sem nunca ter de parar. Deixa-me correr pela mata dentro, sem magoar demasiado os pés. A desbravar caminhos, a sentir o cheiro da alfazema, sentir o peito ofegante, e de repente, dar um salto enorme, e poder correr sobre o mar.
Sim! É isso! Quero correr sobre o mar! Sentir as pernas molhadas e abraçar a linha do horizonte, a linha da ilusão. Poder tê-la nos olhos e saltar de novo!
Sim! Quero saltar de novo! Quero saltar para o rio. Quero caminhar no rio com a água doce pela cintura e sentir os seixos macios, lisos enquanto caminho. Deliciar-me com o verde dos pinheiros e mergulhar nas águas calmas. Abrir os olhos e ver
e não ter de vir à superfície respirar.
Brisa
quem és?
Alguém que caminha delicadamente sobre as folhas outonais.
Vestes-te de negro e tens os lábios doces.
Não te posso ingerir mais
Permites que te tome?
Ouve
com atenção
ouve
Ouve o sol a chamar alguém,
A queimar-lhe a pele branca,
Os ossos que se aguentem.
Valham-me os Céus que já não te posso mais.
Afiem-se as facas prontas para talhar o ódio!
Engulam a honestidade e olhem-me com escárnio!
Usem-no!!! De que têm medo agora?
Cobardes! COBARDES!
Sim! É para vocês que grito!
Vocês que nasceram com os olhos cosidos porque não olham.
TRAIÇÃO!!!!!!!!
Conhecem-lhe o uso
não a forma.
Eu conto-vos meus imbecis.
A forma é a paixão!!
É simples e informal
Não se perde nem se contorna. É directa.
Afiada como a lâmina que me corta as arestas.
Não se atrevam a tocar-lhe imbecis!
Bestas
usadas e facturadas,
Prontas para qualquer fim
Enojam-me a língua suja com que nasci.
Bebam
bebam
bebam,
Pois o líquido é infinito.
E tu
.minha brisa
fresca
Nasceu-te rosto
nasceu-te corpo
ganhaste forma.
Logo agora que tenho o peito cheio de mágoa,
E não te posso respirar.
(Imagem de José Marafona www.josemarafona.com)
Sábado, 29 de Janeiro de 2005
As palavras fogem! Olha como correm rápido! Mas eu não me importo. Sorrio a vê-las dar os primeiros passos, ágeis, velozes, ansiosos, em busca da liberdade.
Por vezes, há uma que cai, mas rapidamente se levanta, e parece que o amigo vento a ajuda a correr ainda mais depressa, desenfreadamente.
Umas saltitam, outras parece que voam, umas mais lentas que outras, mais pesadas ou mais magras, mas todas brincam e sente-se no ar algo diferente. Talvez a revolta se anuncie. Será?
Pouco importa neste momento se já esfolaram os joelhos, se foram pisadas ou empurradas. O que interessa é correr.
Ouvem-se risos e gargalhadas, vozes, gritos, não há um segundo de silêncio. Todas juntas criam uma melodia deliciosa, e aconchego-me na cadeira para as ouvir melhor. Para as ouvir melhor ainda, fecho os olhos.
Sinto-me leve, sinto-me uma delas. (Que palavra serei eu?). Posso correr mais do que todas elas, mas não o faço, deixo-me ir na corrente
gosto do toque delas, do seu significado. Mas a verdade é que estou na cadeira, aconchegada.
Parece que fui tocada por uma palavra
não sei se é o nome ou o significado e não me interessa. Vem
deixa-me sentar aconchegada nesta cadeira, ao teu colo. Diz-me que palavra sou eu agora
toca-me com as palavras inesperadas que gosto tanto
mas não só
acompanha-as com o toque. Eu não sou só feita de palavras. Também tenho corpo.
A alucinação continua. E tu viajas comigo. Sempre.
Choro de felicidade por não a saber.
Ouço as músicas que recriam as tuas palavras no meu pensamento
ai como sabem bem. Tenho-te aqui, nelas. As loucuras, o pouco usual que somos, as banalidades que foram precisas, tudo, tenho tudo aqui!
Não
não falo de amor. Falo de ti. E de mim. Dois corpos que se uniram com palavras, graças à casualidade. Avistaste-me
observei-te
clic.
As palavras continuam a correr. Nunca hão-de parar! As primeiras já vão longe, e o sagrado nascimento ocorre a cada momento que o "ring" se faz ouvir.
E eu sorrio. E momentos mais doces não podia ter, nunca.
(Imagem de José Marafona www.josemarafona.com)
Terça-feira, 18 de Janeiro de 2005
Ao fim de muito tempo. Quando o logro da noite perturba a imensidão das luzes claras, e o vento se revolta contra o chão, e as árvores bailam em despedida da paz, e os céus choram em gemidos de grito, esperarei, sentada na maresia.
Quando o sol renascer das cinzas, e as almas se desterrarem da carne, e os dedos se escapulirem por entre as saias deslumbrantes, e os decotes forem o corte amargo dos meus pulsos, não esperarei mais. Erguer-me-ei por entre as torrentes de água enlameada, por entre os sulcos escavados pelos esgotos proeminentes, por entre o brilho de uma esperança, e caminharei para bem longe, sobre uma fina gentil camada de água que flutua no espaço destinado ás estrelas, e alcançarei algo que não estou bem certa de quê.
O silêncio pronuncia-se mais uma vez. Invade-me algo negro. Cai e esbate-se por todos os poros do meu frágil corpo. Sons estranhos que me inundam daquilo que sou, assustam-me um pouco
levam-me a viajar tenramente por mim. E sussurram-me ao ouvido, levam-me a ser cada vez mais eu, a pronunciar-me e finalmente afundar-me na paisagem repleta de sulcos, um quadro, eu.
Nasci de novo. És como eu.
Cavidades.
Aahaha! Rio-me descontroladamente. Que sabor picante! Rio-me mais e mais e parece que o eco produzido pela minha voz enche a barriga do mundo. Estão a ouvir-me?? Desenganem-se que não estou louca ainda.
Estou cheia por dentro, repleta de uma energia que abafa tudo, que se expande a cada milímetro deste espaço, que me faz exceder-me de mim!
Sim! É bom exceder-me! Ver os meus limites, até onde esta carcaça aguenta a magnitude da alma!
AHAHA!!!! Rodopio, danço, movo-me com movimentos que nunca julguei serem possíveis!
A sedução nasceu e espero-te.
Apetece-me exclamar tudo. Arrastar a sensualidade por onde caminho. Fazer-te desejar-me, e a ti também.
Apetece-me morder os lábios carregados de sexo.
Sabes bem o que isto significa
podes devorar tudo mas existe algo que nunca conseguirás.
Irei ter contigo mais tarde, tu tens força suficiente para me carregar nos braços, para me sujares com o teu baton, para me rasgares a roupa.
Ai como está quente a tua pele
como suas! E ainda só me tocaste por breves momentos ocasionais. O teu olhar não descola do meu, estás a falar comigo sem dizeres uma palavra. Humedeces os lábios enquanto me observas, e fantasias com os movimentos que te dizem a minha alma.
Ahahah! És como eu
este também é o caminho que persegues incessantemente, que te faz esquecer, que te faz sentir bem, que te leva ao êxtase. Conheço o teu corpo há tanto tempo, e a cada vez que iniciamos o ritual, parece a primeira. Nunca temos a certeza se prosseguiremos ou não.
(A traição é uma harmonia que sabemos tão bem
não é suja como a comum
fala mais alto e faz parte de nós. É inevitável.)
Ganhas coragem e aproximas-te de mim. Dizes-me qualquer coisa ao ouvido que não entendo, porque fechei os olhos e deliciei-me com o roçar dos teus lábios na minha pele, com uma das tuas mãos a afastar-me o cabelo, e a outra, discretamente, a afagar-me a cintura. Mas sorrio para ti como se tivesse entendido.
Temos um sorriso inevitável desenhado na cara e os olhos brilhantes. A língua húmida, inquieta, ansiosa pela outra.
Tudo continua como nunca, e parece que o meu quarto, simples e vulgar como qualquer outro, é um lugar especial, próprio para nós e outros com o mesmo propósito
um lugar sem tabus, onde se liberta o corpo e se abre a alma, sem ninguém dar conta, sem ninguém olhar, sem vergonhas, sem pudor, sem medo. Apenas desejo.
Terça-feira, 11 de Janeiro de 2005
Uma vasta e densa forma de ataraxia.
Sobrevalorização de ideias redundantes que nada significam. Implicações de vida simples e trépidas como o ar. Respiração. Fôlego. Brisa. Doce. Amargo. Eu. Existo. Ou talvez não.
Existir voando sobre o corpo, planando tudo aquilo que resta de mim. Quero limar as arestas daquilo que sou e não me é permitido. O extenuante prazer das formas. O lânguido sabor a mel. Tudo isto não é mais que viver.
Um desenho sobre uns livros representa aquilo que sou
ou outrora fui
interrogo-me agora se não serei demasiado pequena para mim própria e a morte não será a minha liberdade.
A ataraxia volta a inundar-me. Fechar os olhos e rezar preces que não sei de cor e nunca ouvi completamente. Deuses fictícios, imagens fantasiásticas, filmes, pornografia, melancolia, maçãs, dedos, tecnologia, e um lápis em repouso. Reconhecer aquilo que sou perante os outros. Assumir a minha força e desvendar mistérios de alguém. Porque não os meus? Um corpo de mulher. Homossexualidade. Orgias. Amor. Paz. Serenidade. Escuridão. Negrume. Luto.
Arte e artista, sinónimos de tristeza, apatia? Talvez sim de incompreensão e dor. Notas soltas voando na plenitude do sofrimento. Poemas escritos ao sabor da água, da espuma, das marés, influenciados por passados, desejos, e um país repleto de poetas, doentes e vigaristas.
Os objectos mantêm-se quietos, imóveis. Agora vejo como são assustadores. Não estão mortos mas não têm vida. Fotografias de momentos representantes de ânsias, de uma sofreguidão abundante em pequenos corpos, firmes, suaves, completamente borrados, enfim, jovens, mas com manchas de velhos. Tecidos soltos, meias, ligas, batons, vernizes. Sombras de alguém? Afirmações.
Afirmações feitas, ditas pela milésima vez, construídas para serem utilizadas em circunstâncias específicas, massacradas pela repetição de actos. Não quero cair na rotina. Não quero apenas ser. Quero viver. Quero respirar e sentir que estou viva, e em mim. Quero a liberdade, mas não a solidão. Essa só a desejo quando lhe sinto o cheiro, quando a ambiciono.
Retomar as palavras e ter alguém, ou muitos alguém que me compreendam e vivam este sentimento comigo.
Enfim
partilhar vidas
não fugir do inevitável. Não fugir de quem somos
Importa a sensualidade. Uma fina beleza escondida no rosto de uma mulher, não desconhecida, mas que não se conhece. Transportar o glamour, a classe, todo um charme num doce pestanejar, num mexer de pernas, num andar, num rodar de braços, num mexer de lábios, num profanar de palavras que ganham corpo e vida própria. Nos seios firmes e redondos. Na pele macia, nos longos esbeltos dedos, numa curva simples e louca como a anca dela. Numa cintura tremendo de desejo por umas mãos que encaixem.
Escolher a majestosa vida, escolher a majestosa morte. Tê-la nas mãos e decidi-la, não a deixando escolher qual e como. O poder de ser, passa agora ao poder de ter, sentir.
Beber um copo de vinho, tê-lo a escorrer pelos lábios, pelo peito, e cheirar a aproximação do desejar.
Penso que não é tão complicado assim.
(Imagem de Nanã Sousa Dias)
Quarta-feira, 29 de Dezembro de 2004
Podia ontem ter tido todo o poder em meus braços. A cobardia e a comodidade invadiram-me, ou então simplesmente não quis que tu me visses em meu deslumbramento de carne. A carne ficaria molhada e a casa-de-banho espera-me, ou o sofá, ou a carne.
Máscara.
Unicidade.
Lamber.
Humidade.
Entrega.
Rainha.
Cada homem mata aquilo que ama, irrefutável. Sinto assim um âmago estranho e que me enclausura dentro de uma muralha negra, dura, feita de tecido manchado de sangue derramado por mim em tons de outros.
Ficarei em silêncio à espera que descer. Vou-me cobrir de mim. Usar-me nesta estranha forma de amor. Start, Stop, Mute. Envolver-me na melodia, rodear-me de notas, de harmonias completamente loucas e desgrenhadas, ansiar tudo isto e mais alguma coisa, sussurrar-me, gritar-me.
Passaram dias de vazio. Repleta de dor assim me encontro. Escavei vales na minha cara de tantas serem as lágrimas que percorreram o amargo caminho por onde me deixei levar. Apetece-me sentir coisas que já senti.
Dizem-me para lutar, que só com luta consigo atingir os meus objectivos
que ironia! Foram vocês que me roubaram o sonho, que me deixaram assim, apática! Ou fui eu? Oh que confusão
as minhas extremidades prendem-me, enclausuram-me em mim
viajo numa descida alucinante da tensão arterial, ansiando que fique a zero, e assim possa ser livre.
Dinheiro
que condição
as pálpebras pesam, os dedos gesticulam, doridos
o âmago sobressalta
cigarros
quero afundar-me em álcool
não sinto
que ódio
quem quero enganar? i got a date with suicide
mais cedo ou mais tarde terei de
Caminho descalça por tenras planícies, virgens de mim e da minha condição. Sinto o vento saltitar entre as minhas pernas despidas, a enrolar-me o cabelo, a secar-me os lábios. Deixo os braços voarem em direcção ao céu, pedindo um amigo
uma paixão
um sentimento
ajoelhei-me perante a Rainha e senti o seu corpo: a terra, rija como sempre, a erva, fácil de quebrar, e os espinhos, que se cravavam em mim. Apeteceu-me fechar os olhos para poder sentir cada ponto em mim a extasiar-se com tudo isto. A misericórdia. Ergui-me e tornei a caminhar, de olhos ainda fechados. Senti que a planície estava provavelmente a acabar, já que o corpo inclinava ligeiramente para trás. Deslumbramento. Água. Tirei o velho farrapo que pouco me tapava o corpo, e decidi ligar-me mais a esta miragem
na baldia praça do centro
andei em direcção à deusa, e nadei para ela, para esquecer. Drogas
Sinto-me a acordar. Desperta-me um shake de ódio, solidão e tristeza. Por onde viajei? Não consigo expressar-me
toda a expressividade está a transformar-se em água, salgada e a molhar-me o rosto
Apetece-me viajar sozinha. Soltar as amarras de todos e ficar apenas com a lembrança
agora que me penso
será que se lembrariam de mim? Julgo que não
afinal quem sou eu?
Viajaria para conhecer, e para me conhecer principalmente. Dessa forma poderia tomar todo o álcool, toda a droga, toda a homossexualidade, toda a orgia, toda a harmonia, toda a vida que me apetece sentir
ficaria louca de mim
sentir-me-ía uma personagem de um livro que amo
especial? Apenas livre. Sinto-me a cair
já não estou cá há tanto tempo
(Imagem de André Brito. www.andrebrito.com)
Domingo, 12 de Dezembro de 2004
Foi desesperada que me apanhaste a correr por uma baldia praça no centro. Socorreste o meu braço e gritei para me deixares. Nunca entendeste que o meu deixa-me era um aperta-me e o deixar-te apertar-me era na maior parte das vezes, um frio deixar-te tomar-me. Fujo aos poucos, sem saber que caminho tomar. Dói-me a garganta de estar calada há tanto tempo.
Finalmente encontro uma esquina aprazível. Sento-me e recordo como sou. Tanto me amo como rainha das ninfas, como me detesto
o bizarro será dizer que tiro tanto prazer do prazer como da dor. Não me quero lembrar mais uma vez do que foi conhecer-te, é passado, e o quanto me magoa voltar à inocência, à ingenuidade de que fui coroada. Quando a realidade me sobressaltou, foi como se finalmente tivesse caído na Terra, não de pára-quedas, mas atirada bruscamente por um braço forte e musculado, sem sangue de compaixão ou o mínimo de carinho. As coisas que pensamos. Esta esquina incomoda-me porque me faz pensar. Vou procurar outro sítio.
Telefonara-me durante a madrugada. Faz-me reflectir o porquê de sempre me ter causado um calafrio na espinha, e desejar ser acarinhada pelas suas palavras de sedutor, que nunca soube se eram verdade ou mentira, mas que provavelmente são. Cavalheiro e sedutor. Assim te tomas e o és tão bem.
Ainda ontem me deliciava com a doce forma de outro se investir em mim e poder saborear o trago do segredo e da traição. Como gosto de carne. Insaciável ninfa, é o que sou.
Não me poderei simplesmente dar, porque já me dei. Deitei-me contigo. Sobre ti. Sobre mim. Esqueci tudo, inclusive a mim, e saí-me mal. Não o quero de novo.
Espero pelo passar de uma hora e tal. Estou curiosa para ver se o fogo vem e me queres tomar, e me queres fazer rainha da loucura. Quase nunca sóbria, assim sou. Bêbeda de sonhos, de injúrias, de pecado, de vinho, de fumo, de droga, de pessoas, de carne. Voltei a carne. Ah
nunca saí dela! Tudo me desperta o órgão. Isto faz-me sentir bem, talvez porque o poder fica reservado em mim. Especulo sobre o que será encontrar-te depois de me teres pedido para ficar.
Parto com o medo que não posso suportar. Ser ignorada. Será que vou ver O Ambíguo? Aquele que me olha e me usa com o seu olhar quando lhe apetece? Que me faz sentir sedutora e mísera de um instante para o outro?
Correr
fugir do mundo e encontrar-me. A confusão que sou faz parte de todos. Não sei se é assim que quero que seja. Não sei se é assim que deve ou não ser. Será que alguém me quer tomar nos braços e fazer de mim A pecadora?
Mil e um pecados dilaceram-me a boca e o coração palpita. Chupar o que há em ti. Sanguessuga que sou. Mas não colada. É ao longe que mais me desejas perto.
Sorris ao delito. Cheira-te a sexo. Envias-me um beijo e esperas por mim ao outro dia. Não apareço, mas faço-te sonhar. Quero fazer-te desejar-me daqui a momentos. Que as leituras te sobressaltem, que as imagens te devorem, que os sons te mastiguem e que tudo seja eu.
De novo na praça. Os olhos são de uma estrela que morreu em tempos de glamour. Foi tanto que se afundou. Os trapos pretos esvoaçam e fazem-me sensual sem dar por isso. Não sei quem esperará por mim ao fundo da avenida. Tu, tu, tu, tu, tu? Nem me atrevo a pronunciar-lhes o nome. Manter-me-ei secreta na minha feminilidade, no meu desejo de carne, de usar, de ser usada, de me sentir meretriz, de te ter no meio das minhas pernas, fértil, duro, viril, macho, suportando o meu peso que é pouco e sempre te transtorna. Sentir o teu desejo quando me vês. E quereres de novo suportar-me em teus braços. Enleada em mim, enroscada no teu tronco suave e molhado, de mim e de suor. O prazer que te dou é um vício que queres manter. Escondido. Nunca nada te saberá melhor. Afinal, sou Rainha ou não?
(Imagem de José Marafona)
Domingo, 5 de Dezembro de 2004
Esgrima. Surpreende-me. Porque não me adoras? Simplicidades, fome e cães. Bocas imundas. De joelhos. Consentimento. Olhar faminto. Sede. Deus. Cansaço. Drogas. Guitarras. Que mais
Cansaço de viver no imaginário, criar portas para algo que não existe, mas bem podia. Farta de escrever sobre o mesmo. Gemidos. Muitos gemidos. Vozes quentes. FARTA FARTA FARTA! Quero lutar mas queria saber que no fim não me encontrava sozinha. Noites vazias. Esperar por algo que se sabe que nunca existiu sem ser em nós. Uma simples palavra e tudo podia mudar. Um simples respirar tudo transformaria. Mas é certo que não acontece. É certo que esse não é o meu presente. É certo que tudo imagino e sinto-me a enlouquecer. Feitiços. Pragas. Inveja. Tudo isto não é mais. Nem menos. É simplesmente diferente. Renegar. Será que vou renegar de novo???? Será mesmo??? Não posso, não quero! Não me quero chorar, não me quero sentir pobre em mim. Enriquecer de mim!!!! Provar-me, saborear-me, saborear-te
porque não??? Ou porque sim, poderás perguntar
porque me apetece e sei que a ti também
Igreja. Santuário. Criar um lugar onde me possa finalmente sentir. Curar-me de mim. Não refugiada, mas livre. Veludo. Velas. Palavras. Livros. Sabedoria. Cultura. Trocas. Tormentas. Inevitável. Pele. Experimentar. Agora que reflicto, com a sanidade que me foi oferecida, ás vezes pouca, outras vezes ainda menos, penso que a curiosidade vai ser a minha morte. Porque não? Tanta doçura!! Tanto desejo! Tanto corpo. Pintar, retratar tudo isto é querê-lo. Quase sem luz, poderia viajar, interessar-me por nada. Convidados. Certezas? Nenhuma excepto a de não a ter. Fumo. Maquilhagem.
E é aí que entras tu. Forte e seguro como sempre, como és e como te desejo. Frio de alma. Ansioso por tudo
até por mim. Trazes companhia, e a sensualidade que sempre transportas. Ergues-te. Mulheres. Húmido. Certeiro. Enredo. Musicalidade. Virgens de outrora.
Não entendo porque estou aqui, quando podia já o estar a concretizar. Morrer na curiosidade, penso de novo. Ser rainha de momentos e de muitos. Melhor não há. Sujidade. O quanto suja sou, e és, e o quanto gostas assim, tal como eu.
Não posso pensar mais nisto. Será que vou encontrar coragem para o fazer e levar alguém a conhecer-me? Ou apenas eu o frequentarei, isolada de todos, fazendo-me rogar à vida pecados que queria cometer??? Não aguentaria a rejeição daquele belo, perfeito e poético lugar. Não posso permitir isso
Abre as pernas. O meu lugar vai ser querido, desejado por tantos. Selecção! Ahhhhahhh vou seleccionar!
Voltar à esgrima
e esfaquear-te
ao mesmo tempo que me esfaqueio
cortes, o quanto lhes sinto o sabor. Girar-me em volta de algo. Perseguir. Seios. Levantar-me-ia agora para encontrar algo parecido com uma solução? Segregar a vida, chupar-lhe o sangue. O que queria contar-te de erotismo. Plásticas. Não serei assim. Mais Mulher que humana, mais fria que quente, mais feminina que A Vida. Sugar os momentos. Tal como na esgrima. Roleta russa. Um tiro de sorte. Até onde poderei ir??? Há sempre mais
como não entendes isso
nada me é suficiente porque vejo a clareza de haver mais. Nunca chega. Poderei mudar, não sei, não o posso garantir
não to quero prometer. Queria que me acompanhasses. Porque não tentar a momento final
tudo isto é verdadeiro
tudo isto me corre nas veias como sangue
sou eu
bem ou mal, não sei
sei que o sou e não o posso evitar
ou morro
sinto-me numa constante arritmia
sobressaltada de invalidez
atraiçoada por este frágil corpo
efemeridade
tintas
não sei que mais
ter-te
no fundo sou uma alma deambulante por este terreno argiloso, rachado de feridas que nunca se trataram
tanto caio como me levanto
tanto sou forte como forte.
Limpar da pele o sebo que me asfixia. Equilibrar as hormonas. Pílulas. Navios e navegadores. Nadando sobre este mar de sonhos e fantasias. Fetiches. Danças e roupas. Sou o comandante e dirijo-me para onde quero. Ondas e tempestades não me pararão. Dão-me a energia necessária para pôr esta roleta a girar. Sinto-me cheia de palavras e ideias, quero escrever tanto que nem sei por onde começar. ENERGIA PORQUE ME SOBRESSALTAS!! Estão-me a inundar imagens, tantas, quase não me deixam respirar!!! Transpor tudo isto para teclas e ver palavras num ecrã. É bonito de se ver. Água! Tanta água! Maldita censura. Vou aboli-la!!! VOU ABOLI-LA!!!! Deuses e fantasmas, inferno e paraíso, morte e vida
são merdas de conceitos!!!porque não aboli-los também???? Ahh gargalhada maquiavélica!! Não, não quero abolir os conceitos!! Quero massacrá-los de mim!!!faze-los sangrar e repelir-me!! Sou o nojo, o escarro, a merda que ninguém quer ver!!! Pois bem, aguentem-se, porque vim, não para ficar, mas enquanto aqui estiver hei-de fazer-me notar. A ironia, o cinismo, hão-de implorar a misericórdia nas minhas mãos, hão-de pedir a morte. Nada lhes darei sem ser a vida miserável que criaram. Mascarar-me de bela, um pequeno brilho nos olhos investidos de atracção, um vestido longo e sinuoso, um batôn vestido de sexo, e criarei o desejo. A utopia viverá, mas não sei se sobreviverá. Dentro de um círculo, criarei tudo. Nas minhas mãos estará uma pequena bola, não lhe chamarei Terra, mas sim Fogo. Não existiram anjos mas sim vermes, os deuses darão lugar a larvas. Um sorriso e sangue. Trincar a carne e viver. Não há tempo para desperdiçar. Juntos não marcharemos, mas dançaremos ao som de melodias escritas por mim e em mim em tons de cicatrizes. O rodopio tornará uma tempestade, e havemos de sorrir em paz ao sentir o poder que estava adormecido em nós. Um movimento de braços e poderá surgir um terramoto. Ao gritar os vulcões cuspirão as suas vísceras ardentes. Não dormirei, e a Lua massacrará o seu corpo luzidio ao ver-me caminhar em pontas sobre espadas. As estrelas adoptarão o meu nome e perderão a luz para uma ténue sensualidade. Das minhas Mãos nascerão as trevas e a luz. A liberdade permitirá tudo. Todos seremos rainhas e eu o cerne a que todos querem chegar. O medo dará lugar à devoção, e aí poderei morrer em paz, sobre mim e sobre tudo.
(Imagem de José Marafona)
Quarta-feira, 1 de Dezembro de 2004
Após demasiado tempo retomo. Retomo nem sei ao certo o quê.
Há algo muito grave que me incomoda a pele
não me sinto confortável, não me apetecem os sítios, as pessoas, nada
apenas memórias e música.
Tento encontrar algum conforto ao quente, onde soam melodias e se sente o calor a se dissipar no ar pesado
apenas eu ouço os meus berros de desespero. Disfarço as lágrimas perante os outros e mim mesma
escondo o olhar cansado e a pouca vontade de viver.
Something
in
the
way
.
Não há nada neste momento que me apeteça mais do que poder chorar à vontade e ajoelhar-me ao longo desta obra-prima, reflexo de quase tudo o que estou neste momento a sentir.
Está algo no caminho que me vai impedir de respirar.
Está algo no caminho que me vai impedir de correr, rir, soltar, beijar, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr
eu sei que vai
eu sei, eu sei, eu sei, eu sei
.
Sinto-me a enlouquecer e ninguém se apercebe disso
e choro.
Nada se concretiza, nada se modifica, ou fica pior, nada cresce, nada floresce, nada. Vazio, a permanência das coisas mata-me.
Quero tanto ir lá para fora correr
e gritar
nem sei se é para me ouvirem ou para eu saber que não me ouvem.
A viagem das coisas é assustadora.
Vagueiam por aí durante débeis momentos até ficarem frios. Os tenros são devorados.
Quando nada é certo também não há erros
pensa
pensa
PENSA!!! PENSA E APERCEBE-TE POR AMOR DE DEUS!!!!!
Estupidificação nojenta, aprendizagens que não fazem sentido, repressões, regressões, palavras mal ditas, momentos arruinados, pessoas complicadas, pessoas demasiado simples, desejo, frígidas.
Soma-se aos motores, ás engrenagens, aos óleos, maquinarias, barulho, confusão, cheiros, vómitos, luzes
Fantasia.
E alguma coisa no meu caminho que mais cedo ou mais tarde me irá fazer tropeçar, e finalmente deixar-me cair no desejo da velocidade mágica do vento. Não haverá peso. Não haverá medo. Apenas um bailado freneticamente lento que comando com movimentos sensuais de mãos, cabelo, pernas, ventre
.o corpo. Por fim, apenas o meu corpo nesse caminho maravilhoso e repleto de solidão.
Chorar
Chorar até a cólera saber o meu nome
derramar as tréguas, ver-me livre delas
enfatizar aquilo que sou e desejar ser mais
tudo isto por nada
tudo isto por um trago de um doce azedume que foi aquilo que é
cantar a morte...implorar o tédio
viver sobre ele e cair
sentir o cabelo a voar
os braços longos estendidos
os dedos soltos
as pernas gentilmente pedindo suavidade, e o corpo não estendido mas enrolado! Enrolado como nunca! A dançar! Movimentos loucos tão fortes quanto bruscos, tão bruscos como angelicais. Um sorriso e pedir a Deus que me leve. Ouço murmúrios?? Quem são? Quem está aí?
Em breve descubro.
Gritam! Gritam! Assusto-me! Tremo de medo, transpiro, sinto-me ofegante, quero sair daqui!!! Sim, a cobardia invadiu-me, e porque não? Temos todos de ser heróis? Não me interessa ser cobarde mais uma vez
quero pousar os pés no chão e correr até as finas pernas não aguentarem mais
Não consigo!!! Porquê??? Sinto-me a correr no vazio. Tropeço, caio, levanto-me corro.
Não sei como, agora não sinto a aflição que sentia. Algo me leva a olhar para cima
e, por espanto meu, na minha trémula inocência, vejo no céu, alguém a correr como um pássaro voa
é estranho
um longo vestido branco, rasgado de beleza, que cheira a seda e transborda de cortes, acompanha-a. Acho que tem uma mancha de sangue. Vejo-a agora a sentar-se no vazio. Apoiada num braço e com o outro rasgando ainda mais o vestido, no peito. As pernas roçam-se uma na outra e deita-se suavemente
reparo no peito a respirar cada vez mais rápido, mais rápido, mais rápido, já nem sei para onde olhar! Um turbilhão de sensações, uma mão entre as pernas, um lamber de lábios, vento, vento, vento, vento, muito vento, e de repente, uma voz ensurdecedora, que não grita mas berra, tão grave quanto aguda, tão bela quanto horripilante LEVA-ME DE VEZ. Completamente desfigurada.
O vento pára, o corpo ergue-se, suspenso como sempre esteve, e uma cara que em nada parece a de à poucos instantes, inocente mas sem esperança, branca e negra de dor. Os braços elevam-se e uma pequena dança em tons de rodopio é concretizada. O bailado do degradante é realizado, o vestido quase já não existe e o corpo cai. Cai no chão na forma mais bela que já vi. Aprecio o momento.
Aproximo-me.
Os longos cabelos estão inertes ao longo do corpo, um braço junto ao peito e o outro junto à cabeça. As pernas
as pernas
essas estão numa melodia que indicia a virgindade da meretriz. Os seios livres, colados ao vestido, e agora sim, vejo a sua assustadora beleza mais pormenorizadamente. Ajoelho-me, sentando-me em cima dos pés. Toco-lhe nos lábios, pintados de vermelho, desço pelo peito, pelo ventre, pelas pernas
não resisto
beijo-a
toco-lhe na mão
como está fria!
Acho que finalmente, lhe foi satisfeito o desejo que gritava
ele levou-a de vez
que ciúme
estendo-lhe o braço na minha direcção
e uma necessidade repentina de protecção leva-me a deitar a cabeça sobre ele e a aconchegar-me a ela
uma estranha força puxa-me, arrebata-me as entranhas, revolta-me a alma, suga-me a vida! Estou de novo assustada, não compreendo que se passa!!!! Levanto-me, não aguento mais
o corpo pesa tanto! Procuro o corpo dela, onde está??? Não o vejo, não o encontro, corro para um lado e para o outro, ando à roda
.quando sem esperança, olho por mim abaixo..o vestido
a mancha de sangue
passo as mãos pelos lábios
.vermelho...sinto os longos cabelos escuros e um pouco molhados nas costas
acho que
que
estou nela!!!!
Olho de novo à minha volta
um oceano calmo chama por mim
tenho os pés sujos, cansados
e caminho lentamente..tudo escurece
não consigo parar de caminhar
o erguer de braços de novo
a cobardia abandonou-me
sem medo, dirijo-me para o mar
a água está gelada, mas não me impede de cumprir este cadáver adiado
sinto-a em mim
fria
sinto-me envolvida nela
dormente
ouço o bater rítmico do coração
fecho os olhos
e viajo
viajo como nunca viajei
há cânticos que ecoam os meus movimentos e sinto-me finalmente bela
a magia veio
sou nada
e sinto-me livre
finalmente o tudo que sempre desejei
(Mais uma bela imagem de José Marafona. www.josemarafona.com)
Terça-feira, 30 de Novembro de 2004
Corpo, corpo, corpo.
Alma, alma, alma.
Cresço, corro, sofro.
Paro, penso e morro.
Coração bate em palpitações rítmicas
Que não conheço,
Num som que não conheço:
Tum tum, Tum tum.
Toca, cheira, sente.
É estranho,
Assustador e claro.
Fingindo a calma, os olhos irradiam escuridão,
As mãos tremem e suam.
Sensualidade perdida
Que floresce num mundo desconhecido,
Alagado, sombrio e distante
Tal como eu
sozinha
Galáxia? Universo? Deus?
Terra, mundo, chão, água
Bactérias, barulho, poluição.
Escarros perdidos na calçada,
Verdes e amarelados, podres como quem os vomitou.
Sente, sente!
Olha
o corpo
corpo
corpo
Alma, alma, alma.
O medo ganha cor
Sentimento estúpido de culpa
Solidão
Objectos que se mantêm quietos e serenos.
Um cigarro apagado, imundo, sujo.
Cinzas
Álcool e droga.
Violência, violência, violência.
Mundo corrompido e podre.
Dor, dor, dor
Regras, regras, regras.
Mente aberta, liberal, pura, limpa.
Ilusão? Utopia? Saudade? Exibicionismo?
Simplesmente uma curta e vasta confusão.
Os sentidos apurados e gastos,
Usados, reciclados não.
Deitados numa lixeira onde nada cheira,
Onde não existe liberdade, respeito, amor.
Dinheiro, dinheiro, dinheiro.
Carros, ferias, casas, construções de vida.
Ambição, ambição, ambição.
Arte? Fama? Coragem? Cobardia?
Expressão! Vontade de mudar,
Corromper o mal, instalar o bem.
Amor, amor, amor.
Conhecem a palavra, não o significado.
Canetas ansiosas e violentas,
Sedentas de escrita.
Pincéis que dançam ao som das cores,
Guitarras que se movem, disformes,
Bailarinas imóveis,
Dedos frenéticos.
Sexo? Talvez
não sentindo
deambulando
Os corpos movem-se sozinhos,
Luzes apagadas.
Só mais uma vez, sussurrando, pensando a última
Quem somos? Que queremos? Que fazemos?
Chamam-me
não respondo
não me apetece
Velhice..algo tão temido
Tempo,
Passamos por ti com criticas mordazes e atrozes
Natureza, minha mãe que pariste e partiste
Tribalismo
rótulos
medo
cansaço
Críticas, dor, paz
Hipocrisia, sorrisos velhos e falsos
Ouro, ouro, ouro.
Faz falta a poesia, a música a pintura.
Arte
como te quero, desejo, anseio
As forças esvaíram-se e formaram um lago
Vermelho, sangrento, vivido, sofrido,
De desejo? De mágoa?
Grito em tons de mudez.
A luz trépida alcança a parede.
Ora se acende, ora se apaga,
Criando ilusões.
Um pato deitado.
Um dragão tapado.
Um rosto escondido.
Lençóis remexidos,
Almofadas vincadas.
Som de folhas de papel amarrotadas.
Caem no chão! Que barulho!
Custa olhar, não há luz
saudade
Um cigarro por enrolar,
Ansioso por uns lábios.
Em formas lânguidas e sensuais,
Criando umas mãos articuladas e compridas,
Um gesto teatral e imperioso,
Um pequeno orifício nos lábios,
Um amortecer de fumo entrando dentro de mim.
Que prazer!
Inspiro
expiro
Um novo gesto, desta vez, de misericórdia, e solto-o,
Liberto o fumo que prendia em meu peito
E deixo-o voar.
Espalha-se no ar
Intoxica e infecta
poderoso e largo
Esfuma-se nele próprio, nada, viaja,
Ondula-se, gesticula, frio e cruel.
E a mão ergue-se de novo num ritual vampírico e fantasmagórico.
(A imagem que coloquei, um abismo de beleza, pertence a um verdadeiro artista, chamado José Marafona. www.josemarafona.com).
Merda para as pessoas obsessivas.
Não tenho nada a ver com isso, não me importa, nem quero ouvir.
Sim...deixei-me envolver um pouco...a droga não ajudou...nem ajuda. Não descola.
E agora?
Agora deixa-me em paz...é tudo teu...eu não quero..
Então porque foi tudo aquilo?
Já te disse...momentos...brincadeiras...nao te preocupes com isso...
Pois...também disseste isso ao princípio!!!
Só acreditas se quiseres...e se te armas em mimada, até te digo mais...não foi porque eu não quis...a culpa não é delas...não julgues que é santidade...ohhh..vá lá...não chores....ainda vais vomitar de novo...eu gosto de ti mulherzinha criança...tens de deixar viver...agora larga-me e deixa-me sair desta história confusão que odeio este tipo de sarilhos...
Um contorno delineado de costas, mamilos rijos de juventude e o sexo perfeito em toda a sua naturalidade. Quem te desenhou??? O segredo dos deuses ficará guardado até que alguém te descubra.
Deitas-te na terra. No fundo do oceano. Cantas. Fechas os olhos e contorces-te. À velocidade da luz, ergues-te. Voas em direcção ao céu. O teu corpo gira à volta de ti própria. Descarregas no mar uma força incrível de luz, deixando tudo ofuscado de ti.
Não apareces nunca mais.
Deitada na cama, pensando sobre que mais, uma lembrança de um cheiro a momento.
Um olhar intenso. Um piano que geme tons de apatia. Vozes. Só isso me resta.
Sábado, 20 de Novembro de 2004
Um Santuário.
Quanto se quer. Quanto se deseja. Porn, strip, pin, punk, goth, metal, hip and hoping at least a nice end
Sobrevalorização de mim? Mania de superioridade???? E que tal um doce bailado?
Cair novamente na água
bolhinhas de oxigénio a rodearem o seu corpo, e sentir que afinal, há algo que gira à sua volta. Os braços, o cabelo, têm um cair mais lento. Os lábios movem-se e parecem querer sorrir.
Um corpo nu.
A beleza.
Sexta-feira, 19 de Novembro de 2004
Nas fraquezas de um mórbido oceano corro lentamente ao som da chuva
a água é o belo que me rodeia e nada mais desejo senão o conservar de um momento que em breve será atraiçoado pela memória. As confissões de mim a mim própria largam-se, bailando. São vastas e leves. As algas, que são o seu cabelo, límpidas e longas, não se embaraçam. Pedem um ecstasy redundante, em forma de bola e sem cores. O bater rítmico ecoa e provoca.
Emprestou a alma. Agora pede. Já não existe nada sem ser a sua pele, frágil, suave, tenra. Aromas de inocência. A morte certa na penumbra
assim ela a espera. Ou corre para ela
um rochedo, um mundo mágico, pérolas, cristais, entoação, vazio.
Cair como uma cápsula. Cair numa cápsula. Um gesto tão fino como o engolir. Sucção. Sucção. Sucção. O filtro funcionou lentamente, esmagando-a.
Nada mais que movimentos
e lembrando os primórdios das suas existências, obtendo películas do que foi, sorri. Uma sofreguidão louca por quando não se sabe o desejo de fome. O sentido perdeu-se numa floresta. O ódio permanece disfarçado de jasmim.
Quando se começa a perder? Os vermes rodear-me-ão. Serei comida pelo fogo, pelas chamas, pelas labaredas frias daquilo que não fui. Querer ser. Tanto. O deixar algo para trás, ou apenas paralelo. Dar asas à imaginação e fugir: criar um mundo em mim. Já o fiz. A incompreensão é uma constante. O a, e, i, o, u apenas agora começou. A rebelião devastada por um só movimento. E voltar ao principio, ao maldito ciclo: MOVIMENTOS!!!!!!! Um Santuário.
Sábado, 13 de Novembro de 2004
Sinto-me a emergir para além de tudo. Estou bem...delicias os meus olhos, a minha imaginação, satisfazes o meu corpo.
Sinto calafrios no ventre. Apetece-me ter-te agora. E mais logo também.
Preciso de usar a imaginação...senão, asfixio.
Sexta-feira, 12 de Novembro de 2004
A aflição do momento.
De ver tudo rodopiar à minha volta e sentir-me cair (finalmente) no abismo. Sentir o medo apoderar-se de mim e gritar por alguém, que nunca estive certa quem era.
Espero pela tua resposta...ou por uma resposta. Depositaste tantos sonhos em mim naquela noite..só quero um pouco de atenção tua...e afundar-me...
Derramar as vísceras...saltar para o sonho...correr para o meu mundo e inundar-me dele para sempre...
Queres vir?
Quando se depara com uma aparição do nosso imaginário, fica-se estupefacto...estagnado.
É imenso...intenso...e cola.
A estagnação atracou em mim perante...curvas.